Envelhecer em tempos de PEC

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14/05/2015  02h00

  Eu era menino quando,no Campo Santa Margherita, meu pai me apontou a casa de Sebastiano Venier, que foi "capitão do mar" (almirante) da frota veneziana vitoriosa na batalha de Lepanto, contra os otomanos, em 1571.

 

      Venier, na época da batalha, tinha 75 anos. Seu braço cansava ao retesar a balestra, e um ajudante se encarregava disso por ele.

      Ele lutava de pantufas e dizia que era porque elas não escorregavam na ponte do navio, molhada de água e sangue, mas era por causa dos calos que o impediam de usar botas. Fora isso, ficou o tempo todo plantado na ponte de seu navio, o Capitana.

     Já a história de Enrico Dandolo me foi contada diante de quatro homens que subiam a escada da Ponte della Veneta Marina, em Veneza, carregando um ancião numa cadeira.

      Talvez meu pai imaginasse que eu menosprezava o inválido; por isso, me contou que Dandolo, em 1204, aos 96 anos, doge de Veneza, foi reconquistar Constantinopla: aos gritos, da ponte de sua galera, pedia que os soldados o levassem logo à terra, na hora do ataque.

      Cresci numa época em que a morte era temida, a finitude da vida incomodava a todos, mas ser velho era um valor; a esperança e o dever dos jovens era envelhecer, sem demora.

      Assisti a uma mudança cultural tremenda e rápida. Quando cheguei aos 12 ou 13 anos, os adolescentes, recém-inventados, já estavam se tornando objeto da inveja de todos, e os velhos (previamente objetos de admiração) começavam a aparecer como um fardo.

      A desculpa era econômica: haverá aposentados demais, que adoecerão, pedindo cuidados custosos. Mas, provavelmente, a verdade é que o medo de morrer nos leva até a negar nossa própria velhice iminente: desprezamos os "parasitas" que seremos.

     No entanto, quem disse que os velhos são "parasitas" desprovidos de utilidade social?

      Recentemente, a PEC da Bengala modificou a aposentadoria compulsória dos membros de tribunais superiores para 75 anos. O editorial da Folha de 8 de maio pedia que a medida fosse coextensiva a todo o funcionalismo público.

    Pode ser que a PEC surja, hoje, como uma manobra política para postergar nomeações de ministros do STF até as próximas presidenciais. Por que renunciaríamos ao patrimônio de experiência dos velhos?

      No começo do século passado, a psicologia distinguiu dois fatores de inteligência. Embora discutida, a distinção permanece: grosso modo, a inteligência fluida é a capacidade de se adaptar a situações novas de forma rápida e flexível.

      A inteligência cristalizada é construída pelo aprendizado do indivíduo e é uma espécie de sabedoria: permite compreender realidades complexas, estabelecer relações não intuitivas, avaliar e julgar situações contraditórias.

      Em 2009, A. Kramer e A. Nunes publicaram uma pesquisa, no "Journal of Experimental Psychology" (http://migre.me/pPIx4), comparando os controladores de tráfego aéreo dos Estados Unidos (que têm aposentadoria compulsória aos 56 anos) com os do Canadá (que só se aposentam aos 64). Eles chegaram à conclusão que a aposentadoria compulsória dos americanos era um desperdício.

     Em testes genéricos, os controladores mais velhos eram mais lentos, mas, em testes de decisões ligadas ao tráfego aéreo, sua experiência compensava qualquer perda cognitiva da idade.

     Outro exemplo: em 2010, Igor Grossmann e outros publicaram uma pesquisa nos "Proceedings of the National Academy of Science" dos EUA (http://migre.me/pPIZC), mostrando que existem aspectos do pensamento que melhoram com a velhice.

     A jovens e velhos, eles apresentaram uma série de histórias ou dilemas que tinham a ver com conflitos entre indivíduos ou entre grupos. E pediram soluções e comentários.

     Foi constatado que, em comparação aos jovens ou às pessoas de meia idade, os idosos usam raciocínios mais complexos e enxergam melhor a necessidade de perspectivas múltiplas e de compromissos.

     Conclusão: "É recomendável que pessoas mais velhas ocupem funções sociais cruciais, que incluem decisões legais, aconselhamento e negociações entre grupos".

     O campo de pesquisa sobre os efeitos positivos do envelhecimento está aberto.

*

     P.S. O livro de Anne Karpf, "Como Envelhecer" (ed. Objetiva, série 'The School of Life', R$ 26,90, 192 págs.) é ótimo e um excelente companheiro para quem está a fim de envelhecer e de pensar sobre nossa mudança cultural diante da velhice. Agora, a editora deveria imprimir com fontes mais clementes com a hipermetropia de quem envelhece.

Fonte: Folha de São Paulo

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