O Brasil vai ter que conviver com inflação elevada nos próximos anos, mas subir os juros não deve ser a resposta mais adequada, segundo o coordenador de pós-graduação em economia política da PUC-SP, Antonio Corrêa de Lacerda. Para ele, a natureza da inflação no Brasil, assim como em outros emergentes, tem a ver com razões estruturais, e não vem da demanda. "Há uma pressão muito grande pelo curto prazo. Mas se você errar a mão, você pode colocar a perder um esforço de recuperação sustentável da economia", afirma.
O Brasil vai ter que conviver com inflação elevada nos próximos anos, mas subir os juros não deve ser a resposta mais adequada, segundo o coordenador de pós-graduação em economia política da PUC-SP, Antonio Corrêa de Lacerda. Para ele, a natureza da inflação no Brasil, assim como em outros emergentes, tem a ver com razões estruturais, e não vem da demanda. "Há uma pressão muito grande pelo curto prazo. Mas se você errar a mão, você pode colocar a perder um esforço de recuperação sustentável da economia", afirma.
Valor: A ata da semana passada esclareceu a razão da alta do juro?
Antonio Corrêa de Lacerda: Eu achei os argumentos pouco convincentes. Todos os elementos colocados têm pouco respaldo em uma visão de expansão da demanda. Vivemos exatamente o contrário: a economia não está crescendo. É uma coisa incoerente, a meu ver. E a inflação está alta em relação a quê? Tem um grupo de países em condições semelhantes à brasileira - que têm uma pressão inflacionária significativa. É o caso da África do Sul, cuja inflação acumulada em 12 meses até setembro estava em 6,4%; a Índia, com 6,8%; e a Rússia, de 7,4%. A China, até dois anos atrás, tinha inflação de 6% ao ano. Hoje, tem uma inflação mais baixa, perto de 2%, o que tem a ver com a valorização do yuan, com a queda do preço das commodities e com a desaceleração da economia chinesa. O próprio México tem uma inflação acumulada de 4,1%. Isso a despeito do novo normal em termos de crescimento econômico global e dos fatores deflacionários, como queda das commodities, com destaque para o petróleo. Isso não tem a ver unicamente com a demanda, mas com fatores estruturais: urbanização, crescimento dos preços dos alimentos, dos preços de serviços, da mão de obra. E nem por isso esses países elevam as taxas de juros, pelo menos nesses níveis do Brasil. Não por acaso, nosso custo de financiamento, de 5,5% do PIB ao ano, está fora da curva, acima inclusive de países que têm dívidas maiores. Essa prática de juros elevados traz mais efeitos colaterais adversos do que benefícios para o combate à inflação.
Valor: A inflação ameaça romper o teto da meta em 2014 e se aproxima desse nível nas projeções para 2015. O que pode ser feito?
Lacerda: Estamos passando por uma transição, em que será muito importante a definição da equipe econômica. É importante ter perfis de pessoas que conheçam o todo da economia, a realidade e a lógica de investimento do setor produtivo, não só do setor financeiro. A definição da equipe e a clareza da política econômica poderão criar um fator de confiança importante, não apenas para o mercado financeiro mas em todos aqueles tomadores de decisão. Isso envolve a questão fiscal, com um plano de reestruturação das contas públicas de forma razoável, e a questão do déficit externo. Então, o câmbio será um elemento fundamental. O governo não pode cair na tentação de revalorização do real, a despeito do efeito que isso pode ter sobre a inflação no curto prazo.
Valor: O BC deixou sinais de que pode continuar subindo os juros?
Lacerda: Eu não descarto novas altas. Mas eu não recomendaria. O Brasil, a meu ver, vai ter que conviver com inflação elevada nos próximos anos. Esses países que eu citei vêm apresentado taxas de inflação altas há mais de dez anos. Então, é algo estrutural. Por isso, não adianta ser irrealista. Se você tentar levar a inflação à meta no ano que vem, isso exigiria um aumento de juros absurdo, com consequências nefastas sobre o custo da dívida, o crédito, financiamento e a própria dificuldade de ajustar a taxa de câmbio. Tem que se fazer escolhas e resistir à pressão do curto prazo. Há uma pressão pelo curto prazo, de que o Banco Central tem que dar respostas..., mas se você errar a mão, você pode colocar a perder um esforço de recuperação sustentável da economia. O espaço para crescimento da economia vai ser muito limitado em 2015. Eu trabalho com 1%, porque terá de ajustar contas públicas, câmbio, preços administrados. Mas a vantagem de fazer o ajuste necessário, de forma competente, crível, bem comunicado é poder restabelecer as condições para o crescimento.
Valor: Com o deslocamento do dólar de R$ 2,25 para R$ 2,50 entre duas reuniões do Copom, o ajuste do câmbio já está concluído?
Lacerda: O câmbio foi um dos argumentos para justificar a alta dos juros, embora não o único. Essa elevação é uma tentativa de manter a atratividade dos investimentos externos aqui. Mas é cedo para dizer que o ajuste está completo. Isso porque temos uma mudança da política monetária americana à vista, o que significa que poderemos ter ainda volatilidade e mais pressão por desvalorização. Como o que importa para o setor produtivo é o câmbio real, uma das funções da nova equipe econômica será conduzir esse processo sem cair no apelo por revalorização do real.
Valor: O programa de swap, portanto, deve ser mantido em 2015?
Lacerda: Acho que o programa de swaps pode ser necessário, desde que isso não implique em revalorizar o real. No passado, a gente tinha uma aversão a controles cambiais e hoje isso é colocado como normal em um cenário de tanta volatilidade. Mas esses instrumentos não podem ser usados para revalorização cambial, porque isso adiaria o ajuste que é necessário para tentar reverter o quadro desfavorável das contas públicas.