Em um momento em que o risco de deflação assombra as economias centrais, o debate em torno do nível do juro real de equilíbrio no Brasil volta ao foco. Os recentes indicadores de inflação sugerem que a taxa real pode não estar acima do nível neutro - aquele que permite à economia crescer de acordo com seu potencial sem gerar pressões inflacionárias-, como se imaginava há alguns meses.
Em um momento em que o risco de deflação assombra as economias centrais, o debate em torno do nível do juro real de equilíbrio no Brasil volta ao foco. Os recentes indicadores de inflação sugerem que a taxa real pode não estar acima do nível neutro - aquele que permite à economia crescer de acordo com seu potencial sem gerar pressões inflacionárias-, como se imaginava há alguns meses.
Nas contas de economistas ouvidos pelo Valor, o juro neutro - variável "não observável" e, portanto, sujeita a estimativas díspares - pode estar entre 5% e 6%. O juro real, calculado a partir da taxa do swap de 360 dias e a projeção para o IPCA 12 meses à frente, está um pouco acima de 5%. Ou seja, a política monetária atualmente pode estar mais perto do ponto "neutro". Para que a inflação cedesse, seria necessário, em tese, elevar o juro.
O economista-sênior do BES Investment, Flavio Serrano, diz que o IPCA de setembro, que elevou para 6,75% a inflação acumulada em 12 meses, reforçou o debate em torno do nível atual do juro neutro. O dado mensal surpreendeu negativamente, ao subir 0,57%, acima das estimativas, que variavam de 0,43% a 0,49%. E demonstrou que um juro neutro hoje estaria mais perto de 5% do que de 4%, como acreditava boa parte do mercado.
Para Serrano, quando se faz uma retrospectiva, fica mais evidente que o juro está fora do lugar. Entre 2011 e 2014 (considerando as projeções para este ano), o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) médio ficou em 1,6% ao ano; o juro real em 3,5%; e o IPCA, em 6,2%. "A inflação, sistematicamente acima de 4%, confirma que este nível de juro não é o adequado", diz.
Segundo Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos, o fato de a inflação mostrar resistência apesar da estagnação econômica põe em dúvida a tese, defendida por uma ala de economistas, de que o juro neutro está mais perto de 3,5%. Ela observa que, depois de cair de forma consistente entre 2002 e 2012, a taxa voltou a subir em 2013, por conta da deterioração dos fundamento domésticos, e hoje está entre 5% e 5,5% ao ano. No curto prazo, uma taxa dessa magnitude não tem sido suficiente para controlar a inflação e afetar as expectativas. "O tempo necessário em que os juros têm que ficar acima do equilíbrio para garantir o retorno da inflação à meta depende de outras políticas, como a fiscal", diz Solange.
O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, ressalta que o juro real vem subindo, mesmo com a taxa Selic congelada, com aumento dos prêmios de risco pela piora da economia. Como trabalha com taxa neutra de 6%, Vale considera que a Selic está hoje em níveis inferiores aos necessários para desacelerar a inflação. "A Selic deveria, no mínimo, estar em torno de 12,5%. Cada mês que o BC atrasa o início da subida da Selic, mais Selic será necessária", afirma.
O que reforça a preocupação dos analistas é que o mundo parece não dar uma saída para a armadilha na qual o Brasil se colocou. Na última semana, os mercados viveram dias de forte instabilidade, movidos pelo renovado temor com um quadro de "estagnação secular". Europa, Japão, China e outros emergentes apresentam indicadores fracos, enquanto a recuperação dos Estados Unidos ainda não parece consolidada. O saldo desse quadro é recuo dos preços de commodities - desde o petróleo, passando pelo minério de ferro até preços agrícolas. O que poderia ser uma boa notícia do ponto de inflação, no entanto, tende a gerar pressão cambial e, portanto, anular qualquer efeito benéfico, na visão do economista-chefe do banco J.Safra, Carlos Kawall. "O tema da deflação na Europa e fraqueza econômica no mundo não nos beneficia", diz. No caso do Brasil, é provável que o alívio nos preços do petróleo tenha de ser usado para corrigir a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), utilizada pelo governo para evitar que um reajuste dos combustíveis fosse repassado ao consumidor. Já a queda do preço das commodities agrícolas e do minério de ferro devem piorar os termos de troca do Brasil. Isso amplia a pressão sobre o câmbio e, por tabela, a inflação. "Se a ideia é fazer a inflação convergir para a meta, mesmo com a economia fraca, não se pode prescindir de um aperto monetário." Outro elemento que pode colocar mais calor sobre o debate dos juros no Brasil é o efeito da política monetária americana, que caminha para um processo de normalização. Uma alta de juros por lá vai fortalecer o dólar no mundo e, consequentemente, trazer pressões via câmbio à inflação brasileira. O estrategista da Icap Corretora, Juliano Ferreira, dá peso relevante a esse fator e diz que, ao contrário do que o mercado chegou a prever, os EUA estão em um processo de reação, que tende a equilibrar o quadro global de atividade. E, como o Brasil tem hoje um juro perto do "neutro", diz, uma alta da Selic próxima a um ponto percentual pode ser inevitável. Alexandre de Ázara, economista-chefe do Modal Asset, estima o juro real neutro entre 5% e 6% e, por isso, concorda com a visão de outros economistas de que a política monetária atual ainda não é contracionista. Para tirar o fôlego da inflação, o BC deveria elevar a Selic dos atuais 11% para 12% ou 12,5% e mantê-la neste patamar entre seis e oito meses, pelo menos. Uma queda dos preços das commodities pode até ajudar o "esforço de desinflação no Brasil", mas representa apenas um ajuste de preços relativos e, portanto, não muda a trajetória da inflação. "É preciso ter um juro acima do neutro para afetar a dinâmica do mercado de trabalho", diz. Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, destoa e não vê a necessidade de um aperto monetário adicional. A evolução da atividade econômica nos últimos trimestres dá sinais de que o juro neutro talvez seja inferior a 5%. O chamado hiato do produto, diz Borges, já é claramente desinflacionário, ou seja, a economia brasileira já cresce abaixo do seu potencial. O problema, diz Borges, é que há um "entupimento dos canais de transmissão da atividade fraca para a dinâmica de preços". O economista afirma que as expectativas permanecem elevadas por conta das projeções de alta de cerca de 7% dos preços administrados em 2015, a política fiscal ainda expansionista e a possibilidade de nova rodada de depreciação do real. Também ajuda a "entupir" o canal das expectativas a perda de credibilidade da política econômica. Borges não vê, porém, um "choque de juros" em 2015 como elemento fundamental para a retomada da confiança. "A política monetária já está fazendo seu papel. O governo tem que atuar em outras searas, sinalizando uma postura fiscal mais austera e transparente e diminuindo a incerteza sobre de quanto será o reajuste dos preços de energia."