Quanto vale uma ação da Petrobras? E qual é o nível justo para o juro real para 2050, negociado nos títulos públicos do Tesouro? Normalmente, o cálculo é feito por meio de sofisticados modelos de projeção e "valuation", que levam em conta variáveis econômicas e setoriais. Mas, há um mês e meio, essas estimativas parecem ter perdido relevância na formação dos preços para dar espaço às pesquisas eleitorais. Diante de um páreo apertado entre os principais candidatos, o mercado tem assistido a um aumento importante da volatilidade, reagindo a cada nova sondagem e, antes disso, à tentativa dos agentes de tentar antecipar o resultado das pesquisas.
Quanto vale uma ação da Petrobras? E qual é o nível justo para o juro real para 2050, negociado nos títulos públicos do Tesouro? Normalmente, o cálculo é feito por meio de sofisticados modelos de projeção e "valuation", que levam em conta variáveis econômicas e setoriais. Mas, há um mês e meio, essas estimativas parecem ter perdido relevância na formação dos preços para dar espaço às pesquisas eleitorais. Diante de um páreo apertado entre os principais candidatos, o mercado tem assistido a um aumento importante da volatilidade, reagindo a cada nova sondagem e, antes disso, à tentativa dos agentes de tentar antecipar o resultado das pesquisas.
O comportamento dos mercados esta semana ilustra exatamente o quão sensível os investidores estão às informações sobre a corrida eleitoral. O crescimento da presidente Dilma Rousseff nas pesquisas divulgadas na sexta-feira passada foi argumento para uma onda de venda de ações e, consequentemente, uma queda de quase 5,50% do Ibovespa em apenas dois dias. Com esse ajuste, a bolsa devolveu todo o "efeito Marina", iniciado no dia 18 de agosto, quando sondagem feita pelo Datafolha mostrou chances de a candidata ir para um segundo turno com Dilma Rousseff e, mais que isso, com maior probabilidade de vitória.
Esse vaivém demonstra que, para os agentes do mercado, a eleição pode definir uma mudança radical no rumo da política macroeconômica. "Atualmente, o valor em jogo é o modelo econômico do país e, por isso, as pesquisas eleitorais repercutem tanto nos preços, "afirma o professor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e diretor da Deux Consultores, Marcelo Allain. "É um quadro análogo ao que se via nos tempos de hiperinflação, quando os bancos tinham grandes estruturas para fazer coletas de preços, porque qualquer informação sobre o rumo da inflação tinha muito valor."
Pela lógica de mercado, obter a informação antes dos demais agentes pode garantir ganho. Por isso, assim como ocorria nos tempos de inflação alta, bancos e gestoras de recursos têm buscado as melhores fontes de informação: pesquisas clone, que reproduzem as pesquisas públicas "sob encomenda", trackings telefônicos e análises de especialistas dos números dos grandes institutos. "A demanda por essa informação aumenta e, naturalmente, também o seu valor", diz o cientista político Andrei Roman, da Universidade de Harvard. "É legítimo que o banco busque essas informações para defender seus investidores. Mas o que muitas vezes ocorre é que esses agentes são levados por visões de curto prazo e acabem perdendo dinheiro", acrescenta. Foi exatamente o que aconteceu com boa parte dos participantes do mercado, que "compraram" determinados ativos baseados na expectativa de vitória de Marina Silva e, agora, têm de vendê-los com prejuízo porque perderam essa certeza. "Na verdade, a pesquisa nem sempre revela algo tão importante ou duradouro, mas o mercado acaba dando valor excessivo a essa informação."
O potencial de ganho ou de perda de quem opera em cima dos dados de pesquisas é elevado. Nas últimas seis semanas, período em que Marina Silva assumiu como candidata pelo PSB, o preço da ação da Petrobras PN - um dos ativos mais sensíveis ao noticiário eleitoral - oscilou entre o ponto mínimo de R$ 18,40 e o máximo de R$ 24,55. Levando-se em conta apenas a fatia de ações preferenciais que circulam no mercado (3,7 bilhões), portanto, o valor de mercado da companhia chegou a oscilar R$ 22,7 bilhões nesse período entre os dois pontos.
As incertezas relacionadas a qual será a política monetária do próximo governo fez a taxa do contrato de juro futuro para 2021 passear entre 10,75% e 12,50%. O potencial de ganho ou de perda para investidores, nesse caso, é de R$ 1,9 bilhão. Isso significaria que se os detentores dos 400 mil contratos em aberto desse vencimento aplicassem com juro na mínima e resgatassem com a taxa na máxima, teriam uma perda equivalente a esse montante. Os investidores que estivessem na outra ponta, por outro lado, ganhariam esse valor. Isso porque, no mercado de derivativos, o saldo do sistema financeiro é sempre zero: alguém sempre perde para outro ganhar.
Os juros de longo prazo estão entre os ativos mais sensíveis às pesquisas eleitorais porque refletem o nível de risco que o investidor enxerga para o futuro. A leitura é que, se as políticas monetária e fiscal no curto prazo forem eficientes a ponto de permitir a queda da inflação, o juro poderá ser mais baixo mais à frente. Ao contrário, se houver leniência com a inflação e um governo "gastador" agora, então o risco é de haver taxas de juros bem mais altas lá na frente.
Ao aplicar essa lógica, agentes acreditam que o juro das Notas do Tesouro Nacional série B, indexados ao IPCA, com vencimento em 2050 teriam de pagar uma taxa abaixo de 5% com a vitória da oposição e superior a 6,5% se o atual governo não fizer as mudanças esperadas para a política macroeconômica.
No caso da Petrobras, existem projeções sugerindo que o preço do papel preferencial da companhia poderia subir para R$ 26 - hoje, está ao redor de R$ 18 - em um cenário de vitória da oposição. Mas, caso a reeleição se confirme e, com ela, a manutenção da atual política, então o preço poderia ceder para R$ 14. Para o Índice Bovespa, as projeções nos diferentes cenários estão entre 68 mil pontos e 49 mil pontos, respectivamente.
Allain, da Deux Consultores, explica, no caso da Petrobras, o que torna as ações sujeitas a tanta instabilidade é que o resultado da empresa depende, entre outras questões, da correção da defasagem do preço do combustível em relação ao mercado externo, quadro que gera prejuízo à companhia, quando é preciso importar o combustível. Oposição e situação têm discursos diferentes sobre esse ajuste. "A decisão sobre o timing e velocidade da correção desses preços faz muita diferença para o acionista, pois determinará não só o resultado no curto prazo quanto a capacidade da empresa de investir", explica.
Allain observa que, quem comprou a ação da Petrobras na capitalização da empresa, em 2010, a R$ 25, viu seu patrimônio cair pela metade no início do ano. "Agora, com o papel abaixo de R$ 20, ele pensa se está na hora de vender com prejuízo ou se vale a pena esperar mais", explica.
A campanha eleitoral tem mexido também com o dólar, que saiu do patamar de R$ 2,26 para cima de R$ 2,45. Mas, no caso do câmbio, é preciso considerar que os movimentos externos da moeda americana têm influenciado mais diretamente a cotação. E que o Banco Central, com sua política de oferta de swap cambial, acaba amortecendo essas variações.
Eleições presidenciais são sempre um tema importante para os mercados, em qualquer país e a qualquer tempo. Mas o poder das pesquisas eleitorais mexerem com o mercado este ano é muito mais intenso, algo que não se via desde 2002, quando o então candidato pelo PT, Luiz Inácio Lula da Silva, concorreu com José Serra (PSDB) e venceu o pleito. À época, o período de campanha foi marcado por forte nervosismo, porque agentes enxergavam o risco de uma mudança radical de modelo econômico, em um momento em que o país tinha ainda um quadro de grande vulnerabilidade externa.
Foi naquele momento que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou a deliberação nº 443, na qual alerta que "o uso de informação de resultados de pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, antes de divulgação ao público, pode caracterizar prática não equitativa". O objetivo da deliberação é inibir o uso de pesquisas com o objetivo de manipular os preços. Mas o Erik Frederico Oioli, sócio da Vaz, Barreto, Shingaki e Oioli, diz que é " muito difícil" que uma situação como essa seja comprovada. "Os bancos trabalham com informações, traçam cenários políticos e isso é legal", afirma. "Mas comprovar que determinada informação foi utilizada com o objetivo de mover os preços é algo difícil, subjetivo", diz, observando que são raros os casos de condenação por manipulação de preços no mercado de capitais. De todo modo, o especialista reconhece que é um tema que deveria ser objeto de preocupação por parte do órgão regulador. "Acho que cabe reflexão."
As disputas eleitorais que ocorreram a partir de 2006 não geraram tanta ansiedade porque havia a segurança dos agentes na continuidade das políticas em curso. "Mas, no último governo, o que se viu foi um placar de 7 a 1 para a inflação contra o crescimento. E o mercado receia que essa política permaneça", diz o professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da FGV, e do Insper, Paulo Fraletti.
Ele afirma que a nervosa reação dos investidores é resultado de um ambiente de fragilidade institucional típico dos países emergentes. "Em países como os Estados Unidos isso não acontece porque as instituições são mais fortes o espaço para grandes mudanças é menor", explica. "Aqui, tudo depende de uma pessoa. Esse é um sinal de subdesenvolvimento", afirma.
A definição do próximo governo significa, para investidores, um jogo de "cara ou coroa", diz Fraletti. "É uma situação binária, em que os dois cenários estão muito distantes um do outro, o que favorece a volatilidade", diz. Nesse ambiente, é natural que o mercado tente se proteger, buscando mais e melhores informações sobre as perspectivas de cada candidato. "O mercado é suficientemente eficiente para refletir essa necessidade de informação sobre as eleições. Nesse contexto, a demanda por pesquisas eleitorais e de analistas capazes de interpretar essas informações, tudo em primeira mão, faz parte do processo."
Para Carlos Eduardo Gonçalves, professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), o valor que se atribui às pesquisas eleitorais é um "problema endógeno", gerado pela incerteza sobre o futuro da economia. "Há uma 'boca de jacaré' de diferença entre os cenários projetados", diz. Ele ressalta que, do ponto de vista econômico, essa situação é ruim, porque atrapalha o planejamento de empresários e investidores. "O mercado financeiro pode até gostar da volatilidade por uma questão de perfil, de gosto pelo risco. Mas não porque alguém consiga ficar mais rico nesse ambiente."