A meta de se ter 5 milhões de pessoas físicas como acionistas de empresas abertas no Brasil até o fim deste ano é lembrada hoje como algo totalmente fora de questão, tendo em conta que no fim de agosto havia 550 mil investidores na bolsa local, número praticamente idêntico ao que existia quando o desafio foi lançado, ainda no fim de 2009.
A meta de se ter 5 milhões de pessoas físicas como acionistas de empresas abertas no Brasil até o fim deste ano é lembrada hoje como algo totalmente fora de questão, tendo em conta que no fim de agosto havia 550 mil investidores na bolsa local, número praticamente idêntico ao que existia quando o desafio foi lançado, ainda no fim de 2009.
Olhando pelo retrovisor, como engenheiro de obra feita, é fácil classificar o objetivo como um devaneio do presidente da BM&FBovespa, Edemir Pinto.
Mas na época em que foi lançada, ainda que parecesse ambiciosa, a meta foi levada a sério por agentes de mercado, que investiram milhões para montar estruturas para atender a enxurrada de gente que estava prestes a chegar.
Além de representar uma parcela de apenas 2,5% da população brasileira hoje, não se trata de algo matematicamente impossível para as condições do país, já que em dezembro de 2013 mais de 11 milhões de brasileiros tinham saldo superior a R$ 10 mil em cadernetas de poupança, rendendo menos do que a inflação.
Um argumento que poderia surgir é que o brasileiro é congenitamente avesso ao risco e nunca investiria em ações.
Mas não é isso que os dados indicam. Como decorrência direta do sucesso das aberturas de capital de empresas no Novo Mercado e das iniciativas de popularização do investimento em ações idealizadas e lideradas pelo ex-presidente da Bovespa, Raymundo Magliano Filho, o número de investidores individuais na bolsa saltou de 85 mil em dezembro de 2003 para o pico em fim de período de 610 mil em 2010.
Mais do que isso, em junho de 2008, no auge da euforia da bolsa, fundos dedicados apenas para compra de ações da Petrobras e Vale chegaram a reunir 1,38 milhão de cotistas (não é possível saber quantos são dupla contagem), conforme levantamento feito pelo Valor com dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Ao contrário do que alguns podem pensar, esse grupo de acionistas indiretos não reunia apenas trabalhadores que usaram parte dos recursos que estavam praticamente parados no FGTS e que viram na compra das ações dessas empresas a única alternativa para fazer o dinheiro render um pouco.
Os fundos abertos de Vale, distribuídos para clientes de varejo diretamente na rede bancária, chegaram a reunir 511 mil cotistas, enquanto os de Petrobras atraíram 457 mil em junho de 2008, ou quase 1 milhão de cotistas. Tudo isso de forma totalmente voluntária, sem o incentivo claro que havia para aqueles trabalhadores que investiram usando o FGTS.
A popularização desses fundos ocorreu por um motivo simples: expectativa de retorno com o investimento. O esforço de venda dos grandes bancos certamente ajudou, mas não teria sido bem-sucedido se a opção não parecesse atrativa para o cliente.
Animados por casos de sucesso de parentes e amigos que viram a poupança se multiplicar por meio do investimento em ações - inclusive com dinheiro do FGTS -, muitos aplicadores ignoraram a regra de que desempenho passado não garante desempenho futuro e resolveram colocar o pé na bolsa. E a compra de cotas de fundos de ações de uma das duas maiores empresas brasileiras não financeiras parecia na época o caminho mais simples (não exigia abertura de conta em corretora) e seguro para esse primeiro passo.
Mas a segurança era apenas aparente, para não falar do risco da carteira concentrada em apenas uma ou duas ações.
A crise financeira internacional veio logo em seguida, derrubou bolsas no mundo inteiro, e deixou machucados especialmente os investidores novos, que chegaram no fim da festa, quando os papéis estavam próximos do pico histórico.
Contrariando o que defendem os especialistas em investimentos, a maior debandada ocorreu exatamente no auge da turbulência, quando as ações estavam no chão, com os fundos de Petrobras e Vale perdendo mais de 100 mil cotistas em apenas um semestre.
E desde então, para usar nomenclaturas típicas dos setores das empresas, as carteiras vêm passando por um processo de depleção, ou de exaustão.
A cada semestre, os fundos abertos perdem entre 7% e 8% dos cotistas. O movimento de abandono nas carteiras abertas é maior do que nos fundos de FGTS, que não permitem entrada de novos investidores, em que a perda média é de 3% da base de investidores a cada seis meses.
Ao contrário da reação imediata à crise, que foi decidida de supetão, a saída lenta e paulatina desses investidores sugere uma opção refletida, no que se assemelha a um processo de desalento.
No total, no período de seis anos entre junho de 2008 e junho de 2013, 767 mil cotistas deixaram os fundos dedicados a Petrobras e Vale, sendo 608 mil das carteiras abertas e 159 mil dos fundos com dinheiro do FGTS.
Quem resistiu e manteve a carteira, amargou perdas nominais de 51% no caso da petroleira e de 26% na mineradora (no período de seis anos), já considerando o ganho com dividendos.
Como nesse intervalo o CDI rendeu 76%, ao se considerar o custo de oportunidade o investidor de Petrobras perdeu 127 pontos percentuais de retorno e o cotista de Vale, 102 pontos.
No grupo dos sobreviventes estão aqueles que compraram as ações bem antes de 2008 e por isso ainda acumulam ganhos vultosos e também os que têm tempo e paciência para esperar, além de fé nos fundamentos das companhias, com expectativa de que um dia as perdas serão recuperadas.
A lição que fica desse movimento é que, se há interesse em tornar o mercado de capitais brasileiro um mecanismo importante de financiamento das empresas, é preciso ter histórias de sucesso na bolsa. Tanto de empresas que captaram recursos, investiram e cresceram, como também de aplicadores que ganharam dinheiro com as ações.
Em escala menor, empresas com bons resultados e bons programas de relações com investidores conseguem atrair pessoas físicas. Mas atualmente menos de 15 companhias possuem mais de 50 mil investidores. Para que haja um efeito maior, é preciso tanto atrair mais gente para a bolsa, como mostrar a esses investidores que existe vida e retorno além de Petrobras e Vale.
Fonte: Valor econômico