Os grandes bancos brasileiros de varejo fizeram, nos últimos dias, dois movimentos paralelos mas com uma causa em comum. Os bancos anunciaram cortes nas taxas de juros para financiamento de veículos, ainda que hoje a taxa básica de juros (Selic) esteja em seu maior nível desde 2011. Também se tornaram mais agressivos na tentativa de comprar carteiras de crédito de instituições financeiras menores, chegando até a assediar bancos de atacado à caça de portfólios de crédito corporativo à venda. As atípicas movimentações são resultado das mudanças nas regras do depósito compulsório anunciadas desde o fim de julho pelo Banco Central (BC).
Os grandes bancos brasileiros de varejo fizeram, nos últimos dias, dois movimentos paralelos mas com uma causa em comum. Os bancos anunciaram cortes nas taxas de juros para financiamento de veículos, ainda que hoje a taxa básica de juros (Selic) esteja em seu maior nível desde 2011. Também se tornaram mais agressivos na tentativa de comprar carteiras de crédito de instituições financeiras menores, chegando até a assediar bancos de atacado à caça de portfólios de crédito corporativo à venda. As atípicas movimentações são resultado das mudanças nas regras do depósito compulsório anunciadas desde o fim de julho pelo Banco Central (BC).
As alterações, que afetaram R$ 40 bilhões em depósitos segundo a autoridade monetária, têm causado desconforto tanto em bancos privados como em públicos. O que o Banco Central chamou de "liberação" dos depósitos compulsórios foi lido pelos bancos como "penalidade" para quem não emprestar mais dinheiro, segundo altos executivos de diferentes instituições ouvidos pelo Valor. A questão, porém, é que os bancos têm baixíssima disposição a aumentar o risco em suas carteiras de crédito neste momento, considerando a chance de maior desemprego em 2015, o que deve fazer com que a briga se concentre em tomadores com menor possibilidade de calote.
O argumento dos bancos é que as medidas da autoridade monetária fizeram com que uma fatia de 60% dos depósitos compulsórios a prazo deixasse de ser remunerada. Nos cinco maiores bancos, o recolhimento sobre depósito a prazo soma cerca de R$ 131 bilhões. Antes, a totalidade desse recolhimento tinha remuneração pela taxa Selic.
Para conseguir que esse dinheiro renda alguma coisa, o BC deu algumas opções aos bancos. Eles podem usar esses recursos na compra de carteiras de crédito de instituições menores. Também podem abater as letras financeiras (LF) que já tinham comprado de bancos pequenos e médios. Por fim, podem alocar o compulsório em empréstimos concedidos para compra de veículos. Essa dedução, contudo, só pode ser feita sobre a fatia dos empréstimos automotivos que superar a média diária de desembolsos na modalidade no primeiro semestre. Com isso, sinalizou aos bancos que, se quiserem fazer o compulsório render, vão precisar também emprestar mais.
A mudança vale até agosto de 2015 e é semelhante em magnitude à ação que o Banco Central tomou em dezembro de 2008, no auge da crise financeira internacional. Naquela época, porém, o BC alterou também depósitos à vista entre outras iniciativas. E não colocou a limitação para o crédito de veículos, vista pelos bancos como o ponto mais controverso das medidas atuais.
A alteração na regra foi a senha para que os bancos corressem atrás de carteiras de crédito para comprar e, mais importante, de formas para aumentar os desembolsos no financiamento de veículos. No caso da aquisição de portfólios, esbarraram na oferta limitada. "Do total dos recursos liberados, metade eu consigo preencher com compra de carteira e letras financeiras. O resto vai ser com crédito de veículos e aí qualquer migalha ajuda", diz o executivo de um banco.
A favor dos bancos está o fato de o segundo semestre ser tradicionalmente mais forte em desembolsos de crédito de veículos que o primeiro. Além disso, os primeiros seis meses de 2014 foram especialmente ruins - puxados pelo fraco desempenho da indústria automotiva como um todo - o que facilita que sejam superados agora.
No primeiro semestre, foram desembolsados R$ 44,4 bilhões em financiamento de veículos para pessoas físicas, valor 3,6% superior ao do mesmo período do ano passado em termos nominais. Em 2013, apenas para fins de comparação, o aumento nos desembolsos do primeiro para o segundo semestre foi de 16,9%.
A questão, porém, é a reticência dos bancos em expandir a oferta de crédito de veículos neste momento, não só pela incerteza que permeia o cenário econômico dos próximos meses, como também pelo tombo que tomaram na modalidade nos últimos anos, com aumento de calotes. "É melhor deixar o dinheiro parado do que destruir esse capital emprestando para tomadores de mais risco", afirma um executivo.
Tanto que, nos quatro bancos que anunciaram cortes em suas taxas de juros recentemente, as ofertas valem apenas para clientes dispostos a desembolsar até 70% de entrada e financiar em cerca de 12 meses. Itaú Unibanco, Santander e Banco do Brasil reduziram taxas e a Caixa Econômica Federal fará "feirões" em concessionárias com preços promocionais.
"O crédito de veículos vai se tornar um mercado de rouba-monte", afirma um executivo responsável pelo crédito de veículos em um grande banco. "Os bancos vão roubar entre si o bom cliente, sem baixar a régua de risco."
Na visão dele, a publicidade dos anúncios de quedas em taxas de juros dos bancos pode até atrair para a concessionária quem ainda não havia tomado a decisão de trocar de carro ou está perto de quitar um financiamento anterior. Ao mesmo tempo, clientes dispostos a pagar à vista podem acabar optando pelo crédito, dada a atratividade das taxas e de outras condições. Segundo executivos ouvidos, para atrair o bom cliente, vale desde oferecer uma carência até o fim do ano no pagamento do crédito, até casar o crédito com um seguro e outras benesses.
A medida do BC teve como objetivo segurar a queda do estoque de crédito para veículos no mercado, segundo afirmaram funcionários da autoridade monetária no anúncio das ações. No acumulado em 12 meses encerrados em julho, o estoque de crédito de veículos caiu 4,5% em termos nominais, para R$ 185,2 bilhões. Mais impressionante ainda, considerando apenas o estoque de crédito de veículos de Bradesco e Itaú, a queda entre dezembro de 2010 e junho de 2014 foi de 36,2%, tirando mais de R$ 33 bilhões do mercado.
Em relatório da semana passada, a agência de classificação de risco de crédito Moody's afirmou que as medidas eram negativas para os bancos brasileiros. Para a agência, tendem a trazer perda de rentabilidade aos bancos, graças à mudança na remuneração do compulsório a prazo. Ao mesmo tempo, a Moody's espera que os incentivos tragam alguma deterioração na qualidade dos ativos. Isso porque vão estimular a oferta numa linha arriscada (o crédito de veículos) em um ambiente de fraco crescimento, inflação persistente, alto endividamento das famílias e criação de vagas mais fraca.