A forte expansão de uma modalidade de crédito mais arriscada para empresas endividadas é um dos sinais evidentes de que a política expansionista do Federal Reserve tem estimulado os investidores a buscar rendimentos mais elevados. Essa disposição para a tomada de risco levou ao afrouxamento dos critérios de análise de crédito e à alta dos mercados de ações.
A forte expansão de uma modalidade de crédito mais arriscada para empresas endividadas é um dos sinais evidentes de que a política expansionista do Federal Reserve tem estimulado os investidores a buscar rendimentos mais elevados. Essa disposição para a tomada de risco levou ao afrouxamento dos critérios de análise de crédito e à alta dos mercados de ações.
Os empréstimos "cov-lite", que não incluem medidas tradicionais de proteção aos credores, totalizaram US$ 260,1 bilhões em 2013 e neste ano, até o começo de junho, o volume já somava quase US$ 130 bilhões, segundo a agência de classificação de risco Standard & Poor's (S&P). São números que superam com folga os US$ 96,6 bilhões de 2007, antes do agravamento da crise global. O grande aumento desses empréstimos é uma indicação de que há alguns excessos no mercado financeiro americano.
Há quem veja um quadro muito preocupante nessa procura por maior rentabilidade induzida pelos juros no chão nos países desenvolvidos, como os economistas do Banco das Compensações Internacionais (BIS na sigla em inglês, uma espécie de banco central dos bancos centrais). Em relatório no fim de junho, o BIS apontava ser difícil evitar a sensação de que há uma "desconexão intrigrante" entre a exuberância dos mercados e a situação da economia global. Boa parte dos analistas, porém, considera que as ameaças ao sistema financeiro permanecem localizadas, não havendo ainda a necessidade de elevação dos juros para enfrentá-los. É a visão do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Mas o comportamento dos empréstimos "cov-lite" deixa poucas dúvidas de que, pelo menos em alguns segmentos do mercado, os critérios de avaliação de risco foram relaxados. Segundo o analista David Wood, da S&P, houve nos últimos 18 meses uma proliferação" de emissões de "cov-lite" com rating "B", enquanto diminuiu a participação daqueles com classificação superior - "BB" e, em menor medida, "BBB". Em resumo, não apenas aumentou muito o volume desses empréstimos, mas também piorou a avaliação sobre a qualidade de crédito.
Neste ano, até o começo de junho, 58% desses empréstimos foram qualificados na categoria "B". Do restante, 38% recebeu rating "BB"; 3%, "BBB", e, 1%, "CCC". Em 2013, a fatia dos "cov-lite" na família "B" ficou em 47%, enquanto outros 50% receberam rating "BB"; 2,8%, "BBB", e, 0,2%, "CCC". Em 2007, por exemplo, o perfil era bastante diferente - apenas 38% eram classificados como "B", com 61% classificados como "BB" e 1% como "CCC" - nenhum obteve rating "BBB".
Wood diz que o crescimento das emissões com rating "B" é a maior fonte de preocupação em relação à tendência atual do segmento. Se houver uma crise de liquidez no futuro, as empresas emissoras poderão enfrentar riscos de refinanciá-los e haver um aumento nos calotes. Em 2014, os "cov-lite" respondem por cerca de dois terços das emissões realizadas por companhias altamente endividadas - o restante conta com proteções tradicionais. Em 2013, o percentual ficou em 57% e em 2012, em 32%.
O analista da S&P diz que a alta liquidez no mercado de capitais, causada em grande parte pela política monetária expansionista é de fato principal fator a explicar o boom dessas operações em 2013 e 2014. "Os investidores estão em busca de rendimentos mais elevados." Mas ele também observa que os "cov-lite" são uma classe de investimento relativamente bem testada. "Alguns tiveram problemas durante a Grande Recessão (que durou do fim de 2007 a meados de 2009), mas eles não causaram um problema sistêmico maciço." Nos empréstimos "cov-lite", não são estipuladas exigências mínimas de desempenho financeiro do devedor, segundo a S&P. Com isso, há menos proteções para os credores.
Em relatório sobre a economia americana divulgado em julho, o FMI analisa os riscos no mercado de crédito. Ao tratar desses empréstimos, o Fundo observa que eles cresceram, mas são uma fatia relativamente pequena do mercado total de financiamentos. Em 2013, responderam por pouco mais de 10% do volume total de empréstimos (e não apenas das companhias altamente endividadas). O FMI nota ainda que a emissão de bônus mais arriscados, que oferecem maior rendimento (os bônus "high yield"), cresceu nos últimos dois anos, mas a fatia em comparação ao total de papéis corporativos emitidos permaneceu estável, um pouco acima de 15%. Esses movimentos não representariam, portanto, riscos sistêmicos.
Para o diretor de economia financeira da consultoria IHS Global Insight, Paul Edelstein, os critérios de análise de risco foram "consideravelmente relaxados" em alguns segmentos do mercado de dívida, caso dos empréstimos "cov-lite" e do financiamento de veículos. Além disso, o comportamento da bolsa de valores e os spreads de crédito em níveis baixos indicam que há algum erro de avaliação de preços, afirma Edelstein.
No entanto, não há sinais como esses no mercado imobiliário, o que, dada a sua dimensão, seria muito mais preocupante, segundo ele. "Além disso, os bancos também estão mais capitalizados, havendo uma supervisão regulatória muito mais pesada sobre eles." Nesse cenário, não haveria necessidade de elevar os juros para combater eventuais riscos financeiros, afirma Edelstein. O foco da política monetária pode continuar a ser estimular a economia, na visão do economista, parecida com a avaliação do FMI. Já o BIS vê o risco de os juros ficarem baixos por tempo demais, alimentando excessos que podem levar a problemas no sistema financeiro.