Ganhar dinheiro no mercado financeiro ficou mais difícil para os bancos brasileiros. As mudanças nas regras de exigência de capital adotadas desde o ano passado têm afetado as operações das tesourarias, áreas responsáveis pela gestão dos recursos das instituições financeiras. Os bancos discutem com o Banco Central, via Federação Brasileira de Bancos (Febraban), ajustes em algumas normas para facilitar a atuação de suas tesourarias, conforme apurou o Valor.
Ganhar dinheiro no mercado financeiro ficou mais difícil para os bancos brasileiros. As mudanças nas regras de exigência de capital adotadas desde o ano passado têm afetado as operações das tesourarias, áreas responsáveis pela gestão dos recursos das instituições financeiras. Os bancos discutem com o Banco Central, via Federação Brasileira de Bancos (Febraban), ajustes em algumas normas para facilitar a atuação de suas tesourarias, conforme apurou o Valor.
Desde 2012, o BC vem reforçando a exigência de capital para as operações no mercado financeiro. Mas a entrada em vigor das regras de Basileia 3 em outubro do ano passado potencializou essa demanda, tornando ainda mais caras as atividades de tesouraria. Pelas novas normas, os bancos precisarão reservar mais capital para cobrir riscos de crédito, de mercado e operacional.
Executivos de tesouraria relataram que o capital necessário para cobrir as posições assumidas no mercado financeiro aumentou de duas a cinco vezes. Em um grande banco estrangeiro, o impacto chegou a oito vezes.
Antes das mudanças, os bancos podiam desenvolver modelos próprios de risco, que determinavam o consumo de capital. Agora, precisam usar pelo menos 80% do modelo padronizado desenvolvido pelo BC. As normas também passaram a exigir capital para operações com câmbio quando elas representarem mais de 2% do patrimônio de referência do banco, enquanto que o limite anterior era de 5%.
Ao exigir mais dinheiro próprio dos controladores dos bancos nas negociações de tesouraria, o regulador mandou um recado claro: quer evitar os problemas enfrentados no exterior durante a crise financeira de 2008. Na ocasião, várias instituições apostaram grandes somas em alguns títulos de dívida com garantia (CDO, na sigla em inglês) sem praticamente comprometer nenhum capital nas operações.
No país, a restrição já começa a atingir os objetivos esperados. "Os bancos de um modo geral ficaram mais conservadores no investimento do capital próprio", diz o executivo da tesouraria de uma grande instituição.
O diretor de um banco estrangeiro relata que operações de arbitragem deixaram de ser feitas pela tesouraria da instituição por consumirem muito capital. "Cada vez mais, a tesouraria será usada para atender os clientes, não para operar o capital próprio do banco."
Outras consequências começam a despontar. Os bancos preveem que a exigência de mais capital deve levar a um aumento de preço dos produtos de tesouraria vendidos à clientela. É o caso, por exemplo, de um exportador que precisa "travar" a cotação do dólar com um banco.
A tendência é que as instituições repassem o custo do capital adicional para as operações. Pelo menos uma instituição relatou ao Valor que isso já está acontecendo. Em outro banco, a opção tem sido absorver o custo adicional, pelo menos enquanto houver folga de capital.
Os impactos também devem respingar na liquidez dos ativos financeiros, já que os bancos farão cada vez menos operações. Isso também reforça a expectativa de que o custo das operações para os investidores deve subir.
As regras afetam não apenas as posições assumidas no mercado brasileiro como também no exterior. O problema, nesse caso, é que a norma, de um modo geral, não diferencia o país de origem dos ativos, ainda que os riscos sejam distintos. Isso significa, por exemplo, que a alocação de capital exigida de um banco brasileiro é idêntica em uma operação nos Estados Unidos ou na Argentina.
Pelas regras de Basileia 3, os reguladores podem admitir classificação de risco dada por agências especializadas para ativos internacionais ou utilizar uma ponderação única para títulos do exterior, opção adotada no Brasil.
Essa limitação pode trazer dificuldades em especial aos bancos que estão em processo de internacionalização, casos do Itaú Unibanco e do BTG Pactual. Ao exigir uma alocação de capital maior
em outros países, mesmo que tenham risco menor que o Brasil, o custo de capital das instituições nacionais fica menos competitivo em relação aos concorrentes.
Dentro das regras de Basileia 3, existe a possibilidade de os reguladores locais admitirem o uso de notas de classificação de risco feitas por agência para definir quanto capital alocar para os ativos carregados no balanço dos bancos. O Brasil, porém, optou por não fazer isso, mantendo um padrão já usado anteriormente no país.
Para minimizar o peso para operações de tesouraria, os bancos discutem com o BC a possibilidade de diminuir a alocação de capital em alguns instrumentos financeiros, como os atrelados a inflação, TJLP e cupom cambial (taxa de juros em dólar), segundo profissionais que participam das negociações.
Não existe a expectativa, porém, de que o BC faça uma pesada redução na demanda de capital para negócios de tesouraria. "Os bancos já estão conscientes de que não têm muito espaço para reduzir a demanda de capital, já que o Brasil segue as regras internacionais de Basileia 3", diz o diretor de tesouraria de um banco estrangeiro.
Apesar da maior limitação imposta para as tesourarias, os bancos brasileiros, de um modo geral, ainda contam com folga de capital hoje, o que não deve levar a uma adaptação traumática. "No mercado local, deve haver uma acomodação suave às mudanças", afirma Marcus Manduca, sócio da empresa de auditoria e consultoria PwC.
A preocupação dos reguladores com as operações da tesouraria é natural, segundo Marcelo Baldin, diretor da PwC. "Enquanto as perdas com o aumento na inadimplência de uma carteira levam meses para surgir, na tesouraria os impactos são imediatos", diz.
Em conversas reservadas com alguns interlocutores, o regulador tem defendido que a fase mais forte de ajustes nas tesourarias dos bancos já se encerrou, segundo o Valor apurou. Não prevê, portanto, mudanças radicais nas mesas, com impacto no mercado.
Até 2019, porém, com a entrada em vigor de 100% das regras de Basileia 3 no Brasil, os bancos precisarão de mais capital para operar, conforme cronograma estabelecido pelo BC. Isso deve acentuar a transformação dos negócios feitos pelas instituições no mercado financeiro.
A tesouraria é uma área importante para os resultados dos bancos no Brasil. No Itaú Unibanco, maior banco privado do país, as operações no mercado financeiro foram responsáveis por 11,7% do lucro no primeiro trimestre deste ano. No Bradesco, geraram 6%.
Fonte: Valor econômico