A melhora da percepção de risco do investidor estrangeiro em relação ao Brasil...
A melhora da percepção de risco do investidor estrangeiro em relação ao Brasil, que vem sendo desenhada há alguns dias, deixou marcas mais evidentes no mercado de renda fixa na sessão de ontem. Em resposta à forte demanda verificada em consulta prévia junto aos dealers, o Tesouro ofereceu em seu leilão semanal de títulos públicos o maior lote de NTN-F (papéis prefixados de longo prazo, os preferidos pelos não-residentes) da história. Foram 5 milhões de títulos com vencimento em 2021 - o equivalente a R$ 4,5 bilhões - vendidos a taxas consideradas baixas, o que evidencia o interesse do mercado pelo papel. Na visão de especialistas, o resultado mostra que há uma correção do excesso de pessimismo cometido recentemente, possível em um momento em que o apetite por risco global cresce e algumas boas notícias locais, como o recente anúncio fiscal, tornam os papéis brasileiros atrativos.
"Com o mercado menos avesso ao risco, os papéis brasileiros, que pagam taxas elevadas, acabam se beneficiando", afirma o economista-chefe do banco J.Safra, Carlos Kawall.
Na operação de ontem, o Tesouro pagou pelas NTN-Fs taxa máxima de 12,7250%, apenas 0,019 ponto acima da taxa média. Esse spread apertado confirma que houve uma demanda robusta pelo papel. No mesmo leilão, o Tesouro vendeu 500 mil NTN-Fs para 2025. E ofereceu 9 milhões de LTNs, prefixados mais curtos, distribuídos entre os vencimentos 2014, 2016 e 2018, sendo que 7,870 milhões foram efetivamente vendidos, um dos maiores volumes já colocados em mercado em um único leilão.
Segundo fontes de tesourarias de grandes instituições, o Tesouro elevou a oferta para repor a posição dos bancos, que estavam "short" (vendidos) no papel. Isso porque, nos últimos dez dias, houve uma forte onda de compra por parte de fundos de investimento estrangeiros no mercado secundário. "Houve demanda por parte de fundos de diferentes partes do mundo, sendo que alguns deles estavam há tempos fora desse mercado", afirma o profissional de uma das mesas de operação consultadas.
Esse recursos que vieram atrás de altas taxas de retorno e foram condutores do alívio que se viu no fim de fevereiro no mercado de juros futuros. O contrato para janeiro de 2017, por exemplo, um dos mais líquidos e que reflete a percepção de risco do país, cedeu de 13% para perto de 12% durante o mês passado. Fluxo que, segundo operadores, ajudou também a explicar a valorização do câmbio. Na véspera do leilão, o ingresso de recursos externos para renda fixa teriam levado, segundo relato de profissionais, a cotação a ceder 1,07%, para R$ 2,32.
Esse quadro representa uma virada de humor quase surpreendente quando se olha como estavam as condições de mercado até meados de fevereiro. Naquele momento, a instabilidade dos ativos de países emergentes levou países como Turquia, Índia e África do Sul a elevar suas taxas de juros para conter as pressões sobre suas moedas. E obrigou o Tesouro brasileiro a reduzir o ritmo de oferta de títulos públicos e até mesmo a recomprar papéis de curto prazo, cujas taxas ficaram distorcidas por causa do receio de que um choque de juros por aqui fosse inevitável. Isso impôs perdas aos detentores dos títulos. Foi nesse contexto que o Brasil se viu incluído na lista dos "cinco frágeis" do mundo.
Para Kawall, do Safra, é esse excesso de pessimismo que está sendo corrigido. E isso é possível porque o mundo passa por um momento de maior apetite por risco, com boas notícias vindas das economias desenvolvidas. "O crescimento dos Estados Unidos foi postergado, mas ele virá. E, na Europa, a recuperação é surpreendente", afirma. É o que os especialistas chamam de "relief rally", ou rali do alívio. "Pode ser que tenhamos saído do pior momento, mas entre esse ponto e o otimismo, há um longo caminho."
Algumas notícias locais também dão alento ao investidor e contribuem para tornar o ambiente propício para a volta do capital externo. O alívio da inflação de curto prazo, a percepção de que o ciclo de aperto monetário está perto do fim - o que pode estimular esses agentes a antecipar a decisão de aplicar em renda fixa - e o anúncio fiscal considerado "factível" compõem esse cenário. Mas, segundo especialistas, é cedo para dizer se essa demanda representa a ponta de um iceberg. Qualquer má notícia - como um outro resultado fiscal decepcionante, como se viu em janeiro, ou uma nova disparada da inflação - pode reverter o clima.
Fonte: Valor Econômico