O governo está diante de uma situação em que precisa abrir mão do crescimento em busca de uma inflação mais baixa até o ponto em que ainda consiga gerenciar as expectativas eleitorais e não intensificar o risco de um rebaixamento do "rating" soberano, avalia o estrategista para a América Latina do Standard Chartered, Italo Lombardi.
O governo está diante de uma situação em que precisa abrir mão do crescimento em busca de uma inflação mais baixa até o ponto em que ainda consiga gerenciar as expectativas eleitorais e não intensificar o risco de um rebaixamento do "rating" soberano, avalia o estrategista para a América Latina do Standard Chartered, Italo Lombardi.
Para ele, é visível o ganho de credibilidade do Banco Central recentemente, com o menor ruído com relação ao Executivo. Mas o BC corre o risco de dar um "tiro no pé" se voltar atrás na postura mais "hawkish" (inclinado ao aperto monetário), o que levaria a uma nova deterioração nas expectativas e mais à frente poderia forçar a instituição a retomar o ciclo de aperto monetário com a economia crescendo pouco mais de 1%. Veja os principais trechos da entrevista.
Valor: O que pode ser feito no momento para que o governo recupere a credibilidade junto ao mercado?
Italo Lombardi: No ponto em que estamos, só há duas coisas a serem feitas: fiscal e monetário. No fiscal, há dúvidas sobre o espaço de manobra e, no monetário, estamos chegando num ponto em que o aperto pode começar a ficar contraproducente. Você tem um efeito de expectativa que não é tão grande, ao mesmo tempo em que pode começar a machucar a economia de verdade. O BC não exagerando, não esticando essa alta de juros, acaba cutucando o fiscal para que algo seja feito. O ideal é que houvesse uma coordenação, com tanto o fiscal quanto o monetário puxando a rédea. Mas não adianta nada essas duas políticas não conversarem. É como se tivesse um avião com uma turbina ligada e a outra no reverso. Então, com certeza o crescimento vai sofrer nesse cenário. A gente passou por aquele período em que a função de reação do BC mudou. Nunca em condições normais o juro poderia ter ido para 7,25%. O experimento claramente deu errado.
Valor: O governo abriria mão do crescimento então?
Lombardi: Sim, mas até o ponto em que conseguiria se reeleger. O objetivo é esse. Em troca de mais credibilidade, acho possível eles irem para esse lado.
Valor: Qual o limite para o crescimento mais baixo?
Lombardi: Acredito que uma estimativa de crescimento de 1,5% preocupe o governo. Nessa velocidade, o Brasil cresceria ainda menos que no ano passado. Daí você chegaria num ponto em que aquela discussão sobre crescer pouco por causa do PIB potencial baixo nem faria mais sentido, já que não se conseguiria crescer nem o mínimo que, de acordo com alguns cálculos, estaria em torno de 2,6%. E crescer menos, obviamente, tem efeito sobre a popularidade.
Valor: Isso autoriza o BC a aumentar a Selic em 0,50 ponto?
Lombardi: Não só autoriza como, na altura do campeonato, com as declarações do [Carlos] Hamilton [diretor de política econômica] e do Tombini [presidente do banco central], se o BC der 0,25 ponto vai ser um tiro no pé. Se o BC perder a mão de novo agora, corre o risco de não trazer a expectativa de inflação para baixo. E ainda há pontos para o futuro que vão puxar a inflação ainda mais para cima. Nesse cenário, você pode terminar o ano com a inflação em 6%, a economia crescendo 1% e o BC tendo que subir juro. Porque, além de a inflação estar em 6%, a expectativa vai ficar oscilando em torno de 6,2%, 6,5%, e basta qualquer choque para você perder a meta.
Valor: O que mais incomoda o estrangeiro com relação ao Brasil?
Lombardi: O estrangeiro não vê o Brasil com todo o pessimismo que o local mostra. Quando eles pensam em Brasil, pensam num país que se depara com uma confluência de fatores: Copa do Mundo, eleições, inflação alta, crescimento baixo. Há, claramente, uma perda de interesse, mas que não decorre só de uma questão própria do Brasil, mas da volta dos olhares para o mundo desenvolvido. Talvez agora com os preços mais ajustados vejamos uma volta do estrangeiro no curto prazo. Mas a questão mesmo é para o futuro. Antigamente o estrangeiro acreditava que o Brasil cresceria entre 3%, 3,5%, com consumo em alta, ambiente regulatório estável e previsibilidade de fluxo de caixa. Hoje isso claramente mudou.
Valor: O Fed citou o Brasil em relatório da semana passada entre os "Cinco Frágeis", incluindo o país no grupo de nações classificadas como fonte de "vulnerabilidades econômicas e financeiras significativas". Faz sentido essa avaliação?
Lombardi: Talvez não. Eu acho um pouco forçado. Existe todo esse pessimismo doméstico com crescimento, inflação... mas os "ratios" [métricas] do Brasil não são nem um pouco ruins. O mercado está focado no fiscal porque não se quer uma deterioração além da que já houve. O governo gera superávit primário. A dívida líquida é de cerca de 35% do PIB. A dívida bruta também não está em níveis tão altos. A inflação é um problema, mas tem-se instrumentos para combatê-la. Não vejo um desequilíbrio que coloque o Brasil numa posição tão frágil do ponto de vista absoluto. Mas quando se olha do lado relativo, há, sim, uma combinação de fatores que preocupa. Para mim, a grande variável que faz com que as coisas não se encaixem é o crescimento, que está fraco e com perspectivas de piora. A relação dívida/PIB pode não ficar tão boa se crescermos muito pouco, que é exatamente o problema enfrentado pela Europa.
Fonte: Valor econômico