A nova lei de socorro ao sistema bancário, em fase final de discussão no governo, reabre a possibilidade de injetar recursos públicos em instituições financeiras em dificuldades. A ideia é que o dinheiro do Tesouro Nacional e do Banco Central só entre quando os recursos de acionistas e, em alguns casos, de grandes credores e depositantes, sejam insuficientes para cobrir o rombo.
A nova lei de socorro ao sistema bancário, em fase final de discussão no governo, reabre a possibilidade de injetar recursos públicos em instituições financeiras em dificuldades. A ideia é que o dinheiro do Tesouro Nacional e do Banco Central só entre quando os recursos de acionistas e, em alguns casos, de grandes credores e depositantes, sejam insuficientes para cobrir o rombo.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de 2001, proibiu injetar dinheiro público em instituições financeiras, na prática revogando o chamado Proer (Programa de Reestruturação e Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional), criado para combater a crise bancária do Plano Real.
Um dos artigos da própria LRF, porém, abria a possibilidade da volta do uso de recursos públicos, desde que regulamentado por uma legislação para tanto. É isso o que pretende fazer o anteprojeto da Lei do Regime de Resolução Sistema Financeiro Nacional, elaborado pelo Banco Central. "O uso de dinheiro público será o último recurso", disse Maurício Moura, chefe de gabinete da diretoria de Organização do Sistema Financeiro do BC.
Pela proposta, instituições financeiras que quebrarem terão dois caminhos para seu saneamento: a liquidação ou a decretação de um regime especial de administração. Bancos que não significarem risco sistêmico seriam levados à liquidação. Normalmente, bancos menores caem nessa categoria, mas já houve casos de instituições financeiras de pequeno porte, como o Banco Marka, em 1999, que tiveram tratamento diferenciado pelo risco que impunham ao sistema.
Instituições financeiras submetidas à liquidação seguiriam processo semelhante ao atual. Seriam vendidos os ativos para pagar os passivos, com uma fila de preferência para receber. Acionistas e os detentores de dívida subordinada estão no final. Clientes garantidos pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC) são protegidos de perdas.
Pelo anteprojeto em estudo, iriam para o regime especial de administração as instituições que o Conselho Monetário Nacional (CMN), por sugestão do Banco Central, declarar que representam risco sistêmico.
Conforme antecipou o Valor, ontem, o caminho preferencial para o saneamento, neste caso, é o chamado "bail in". Por esse modelo, o próprio passivo (ou seja, dinheiro de acionistas e credores) seria usado para cobrir o rombo, seguindo uma ordem. Primeiro, seria usado o dinheiro dos acionistas. Em seguida, as dívidas subordinadas e, depois, os grandes depósitos. "Em 99% dos casos, os recursos dos acionistas e da dívidas subordinadas seriam suficientes", disse Moura.
Ficariam protegidos os depósitos garantidos pelo FGC. Tanto para os pequenos clientes, com um limite que será elevado dos atuais R$ 70 mil para R$ 250 mil, quanto para os depositantes especiais, com R$ 20 milhões.
Na prática, a fila para assumir os prejuízos é basicamente a mesma da legislação atual. Mas, com a decretação do regime especial, o interventor poderá fazer isso de forma antecipada, sem levar à liquidação para recuperar créditos para satisfazer os credores. A grande vantagem é manter a instituição em funcionamento, evitando ruptura no mercado.
Quando a conta não fecha com dinheiro do passivo, poderá ser feita a injeção de recursos públicos. Há duas hipóteses. Uma é a injeção de capital na instituição, o chamado "bail out". Outra é pela concessão de linhas de assistência de liquidez.
Para injetar dinheiro público sob a forma de capital, o chamado "bail out", será preciso observar toda a ordem do chamado "bail in". Ou seja, primeiro deve ser consumido o recurso dos acionistas, depois das dívidas subordinadas e, em seguida, dos grandes depositantes. Só aí entra o Tesouro Nacional, que se torna acionista do banco.
No caso da concessão de linhas de liquidez pelo BC, seriam admitidas garantias de segunda linha, e não apenas papéis de primeira linha recebidos na assistência tradicional de liquidez. Nesse ponto, o projeto guarda semelhanças com o Proer, que admitia garantias pelo valor de face de papéis negociados com deságio no mercado, como títulos do FCVS.
O Banco Central, porém, afirma que o projeto não tem nada a ver com o Proer. Principalmente porque, antes de usar dinheiro público, é consumido já no início do regime especial de administração o capital investido pelos acionistas do banco.
Como envolve o uso de dinheiro público, o projeto está neste momento sendo discutido com o Ministério da Fazenda. A Superintendência de Seguros Privados (Susep) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também foram chamadas às negociações porque fazem uso da atual Lei de Liquidações, de 1974.
"Há quase uma década o Banco Central vem estudando a possibilidade de reformulação ampla da lei de resolução bancária", disse o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini.
As linhas gerais do projeto foram apresentadas em seminário que começou ontem e continua hoje no Banco Central. Na abertura do evento, o presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, Lindberg Farias (PT-RJ), comprometeu-se a encaminhar rapidamente a proposta para provável aprovação neste ano.