A Advocacia-Geral da União (AGU) advertiu os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que o governo pode ser levado a aumentar impostos ou criar novas contribuições caso os bancos sejam derrotados no julgamento sobre a correção a maior das cadernetas de poupança que existiam na época dos planos Bresser (1987), Verão (1989), Collor 1 (1990), Collor (1991).
A Advocacia-Geral da União (AGU) advertiu os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que o governo pode ser levado a aumentar impostos ou criar novas contribuições caso os bancos sejam derrotados no julgamento sobre a correção a maior das cadernetas de poupança que existiam na época dos planos Bresser (1987), Verão (1989), Collor 1 (1990), Collor (1991).
A advertência foi feita pelo advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Lucena Adams, o primeiro a se manifestar, ontem, no segundo dia do julgamento do caso pela Corte. Segundo ele, as ações questionando a correção monetária nos planos econômicos representam "risco sistêmico" aos bancos públicos e privados, já que a correção de todas as poupanças levaria ao pagamento de R$ 150 bilhões. Adams disse que, dependendo do resultado, a União "terá que agir para garantir a estabilidade financeira", inclusive com a possibilidade de os contribuintes terem que pagar a conta.
"Em síntese, todos os contribuintes arcarão com o débito?", perguntou o ministro Marco Aurélio Mello, após Adams defender a constitucionalidade dos planos econômicos. "Provavelmente, sim", respondeu Adams.
O titular da AGU lembrou que, em 2000, o STF determinou a correção dos saldos do FGTS em apenas dois planos e, após aquela decisão, foi criada a multa de 10% desse fundo para os casos de demissões sem justa causa de trabalhadores. O objetivo da criação da multa, em 2001, foi o de garantir saldo para pagar os correntistas beneficiados com a decisão do STF.
"No caso do FGTS, o governo teve que fazer uma política específica e foram apenas dois planos", disse Adams.
Em seguida, o ministro Ricardo Lewandowski, relator da ação da Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) contra a correção das poupanças, minimizou o risco para os bancos. "O risco sistêmico, se é que há, sempre existiu nos últimos 20 anos", disse Lewandowski. "A dívida existe e vem sendo executada pelos poupadores tendo em conta as decisões favoráveis que eles vêm recebendo", completou o ministro, que, ao longo das duas sessões sobre o caso, mostrou-se mais propenso a votar a favor dos correntistas.
"Mas, agora vemos a consolidação dessa jurisprudência, o que produz uma consequência que deve ser tratada", respondeu Adams. "Consolidada a jurisprudência contrária ao Sistema (Financeiro), isso pode representar um risco que vai exigir a intervenção da União e de toda a sociedade", completou o titular da AGU.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) classificou como uma "granada oca" o argumento dos bancos de que perderiam R$ 150 bilhões com uma eventual derrota no STF.
"Essa granada oca não vai explodir. O Supremo não precisa julgar com essa granada no colo", disse o advogado do Idec Walter José Faiad de Moura. "Concordamos com a constitucionalidade dos planos econômicos. O que não concordamos é com o critério para correção nos dias de aniversário. Houve diminuição de capital e queremos de volta", completou.
O procurador-geral do Banco Central, Isaac Sidney Menezes Ferreira, afirmou ao Valor que não foi jogada qualquer granada no colo dos ministros. "O STF não julga com granada, mas com a Constituição. O Idec é que não sabe como sair do tiro no pé que deu ao confirmar o impacto em valores muito próximos a R$ 105 bilhões", disse Isaac. Ele se referiu a um número que foi utilizado numa das petições do instituto, há alguns anos, citando o prejuízo em R$ 102 bilhões.
O BC informou ao STF que ainda tramitam 1.096 ações coletivas de poupadores pedindo a correção de suas cadernetas, motivo pelo qual haveria risco de prejuízo às instituições financeiras de mais de R$ 100 bilhões.
Isaac disse ainda que, caso o STF considere os planos inconstitucionais, haverá impactos na política monetária. "O que essa Corte decidir delimitará o raio de ação do Estado brasileiro diante de crises inflacionárias", advertiu. "Se todos puderem reclamar essa inflação passada, não se terá inaugurado uma nova ordem monetária", enfatizou.
O procurador contestou cálculos dos poupadores de que os bancos faturaram R$ 440 bilhões na época dos planos com a chamada "faixa livre", a parcela de 15% a 20% dos recursos da poupança que podem ser aplicados pelos bancos a juros de mercado. Segundo ele, ao apresentar esse número a defesa dos poupadores omitiu que essa conta vai de 1986 a 2008. "Ou seja, avança mais de 17 anos além do último plano em discussão, que é o Collor 2, de 1991", ressaltou Isaac.
Já a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) defendeu a correção das poupanças. "O argumento de que o banco vai quebrar e que o sistema vai entrar em colapso nos parece equivocado", disse Osvaldo Pinheiro Ribeiro Junior, representando o Conselho Federal da entidade. Segundo ele, de 7 milhões de titulares de contas na época dos planos, apenas 200 mil recorreram à Justiça. "Lamentavelmente foram poucos os poupadores que buscaram a Justiça", afirmou. "Mas a discussão sobre risco sistêmico me parece elevada. É praticamente impossível que, mesmo nas ações coletivas, todas as execuções ocorram de uma única vez", ressaltou.
A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha não deve participar do julgamento, pois soube na quarta-feira, horas antes da primeira sessão sobre o caso, que o seu pai entrou na Justiça para obter a correção dos planos. O ministro Luís Roberto Barroso também não vai votar, já que atuou em processos envolvendo planos antes de ingressar o STF, quando era advogado. Ontem, o presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, negou seguimento a uma arguição de impedimento dos ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux e José Antonio Dias Toffoli que foi feita pela Procopar, uma associação que representa poupadores.
A filha de Fux trabalha no escritório de Sergio Bermudes, que advoga para Consif, e ele não esteve na sessão de ontem. A mulher de Mendes também atua no escritório de Bermudes, mas o ministro está participando do julgamento. Segundo entidades de defesa de poupadores, Toffoli teria atuado no caso dos planos quando foi advogado-geral da União, mas ele está participando das discussões normalmente e vai votar.
O julgamento sobre os planos econômicos está previsto para ser retomado pelo STF em fevereiro de 2014, quando serão proferidos os votos.