Uma dissertação feita por uma consultora da Organização das Nações Unidas constata com rigor acadêmico o que muitos afirmam intuitivamente: a credibilidade do Banco Central brasileiro caiu nos últimos anos e atingiu os seus menores patamares no governo Dilma Rousseff.
Uma dissertação feita por uma consultora da Organização das Nações Unidas constata com rigor acadêmico o que muitos afirmam intuitivamente: a credibilidade do Banco Central brasileiro caiu nos últimos anos e atingiu os seus menores patamares no governo Dilma Rousseff.
A economista Cecília Melo Fernandes, num trabalho para obter o grau de mestre em economia com especialização em política monetária pela Universidade de Amsterdã, Holanda, calculou para o Brasil um indicador conhecido como "lambda". Essa é uma medida mais sofisticada e precisa que vem sendo usada em vários países para medir a credibilidade de seus bancos centrais.
No começo de 2006, quando o BC brasileiro era presidido por Henrique Meirelles e sua diretoria incluía conservadores como o economista Afonso Bevilaqua, o "lambda" chegava a valores tão altos quanto 0,94. Nessa métrica, que basicamente vai de 0 a 1, quanto maior o número mais credibilidade tem o BC. Pelo dado mais recente calculado pela economista, de julho de 2013, o "lambda" estava em 0,84.
À primeira vista, parece que a credibilidade caiu pouco, ao passar de 0,94 para 0,84 entre 2006 e 2013. Mas a zona limítrofe entre bancos centrais com alta credibilidade e baixa credibilidade está nos altos escalões dessa métrica. Esse limiar do "lambda" é estimado em 0,9 para países desenvolvidos, embora seja difícil afirmar o valor justo para países emergentes porque o indicador não foi calculado para muitos deles. O que se pode dizer com certeza é que, em 2006, o Brasil pontuava bem até para os padrões de economias avançadas, mas hoje está abaixo disso.
Uma das conclusões mais importantes: dada a baixa credibilidade do BC, de 2006 para cá as expectativas de inflação de médio prazo, até cinco anos, estão ancoradas numa meta paralela de 4,9%, acima da meta oficial, de 4,5%. Para prazos acima de cinco anos, a meta paralela é de preocupantes 5,4%.
A crise financeira internacional, cujo marco é a quebra do banco Lehman Brothers em 2008, tornou mais difícil a tarefa do Banco Central de manter sua credibilidade no combate à inflação, já que teve de se equilibrar entre vários objetivos ao mesmo tempo, como proteger o país da enxurrada de capitais estrangeiros e assegurar a estabilidade do sistema bancário.
"A conjuntura internacional tem alguma influência, mas não podemos colocar a culpa no exterior", pondera a economista, que é consultora na Alemanha do braço acadêmico das Nações Unidas. "A perda de credibilidade se deve à maneira como as políticas foram conduzidas no Brasil."
São vários os problemas. Existe uma percepção muito forte entre os agentes econômicos, segundo Cecília, de que o governo interfere na independência operacional do Banco Central. A comunicação do BC, por outro lado, não tem sido clara o suficiente e, muitas vezes, os sinais têm sido inconsistentes.
Em 2013, será o quarto ano seguido em que a inflação fica acima do centro da meta, o que faz com que os agentes econômicos entendam que existe um abandono da meta oficial de inflação. Além disso, o governo tem usado medidas criativas para conter a inflação, como segurar o aumento de preços administrados, enquanto o Banco Central não tem conduzido a política monetária como se espera. Em 2012, citou, pela primeira vez no regime de metas de inflação, os juros foram reduzidos em meio a uma inflação que se acelerava.
O trabalho de Cecília Fernandes testa ainda um conjunto de sete hipóteses e proposições para checar se o BC tem credibilidade. Uma delas é checar se as expectativas dos agentes econômicos para a inflação mais de longo prazo, de cinco anos, mantêm-se constantes e ancoradas na meta de inflação.
A ideia que está por trás desse teste é que, se todos acreditam no Banco Central e confiam na adequada condução da política monetária, não estarão preocupados com a inflação de longo prazo, pois estão seguros da capacidade de convergência dos índices de preços para a meta. O que o trabalho mostra, com uso de ferramentas econométricas, porém, é que esse não é o caso.
Outro dos testes apresentados no trabalho confirma que as expectativas de inflação são "contaminadas" pela inflação corrente e passada. Esse é um problema: se um banco central tem baixa credibilidade, a inflação passada e corrente tem peso maior na formação das expectativas de inflação, em detrimento das metas de inflação.
Um terceiro teste feito pela economista confirma que, ao longo do tempo, a persistência inflacionária aumentou, na medida em que a credibilidade do Banco Central foi diminuindo.
Além da "lambda", há vários outros índices que procuram medir a credibilidade de bancos centrais. Cecília Fernandes checa também a evolução da credibilidade do BC brasileiro por meio de uma metodologia desenvolvida pelo professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Helder Ferreira de Mendonça. As conclusões são basicamente as mesmas. Do começo de 2006 a meados de 2007, o BC ficou dentro da faixa considerada de alta credibilidade. Entre meados de 2007 a meados de 2009, já havia deslizado para a faixa de credibilidade média. E, de lá para cá, afundou para a zona classificada como de baixa credibilidade.