Em um mundo onde a China cresce menos, a Europa continua longe da bonança e expectativas quanto aos rumos da economia norte-americana afetam câmbio e os fluxos internacionais de capital, a entrada de investimentos produtivos se mantém razoavelmente resistente no Brasil. No primeiro semestre de 2013, segundo dados do Banco Central (BC), os investimentos estrangeiros diretos (IED) líquidos no país somaram US$ 30 bilhões, um aumento de 1% sobre igual período no ano passado.
Em um mundo onde a China cresce menos, a Europa continua longe da bonança e expectativas quanto aos rumos da economia norte-americana afetam câmbio e os fluxos internacionais de capital, a entrada de investimentos produtivos se mantém razoavelmente resistente no Brasil. No primeiro semestre de 2013, segundo dados do Banco Central (BC), os investimentos estrangeiros diretos (IED) líquidos no país somaram US$ 30 bilhões, um aumento de 1% sobre igual período no ano passado.
Apesar de se manter estável e em patamar historicamente alto, a configuração desse montante vem mudando desde 2012. Quem puxa a alta são os chamados empréstimos intercompanhias - transferências feitas pelas multinacionais para o caixa das filiais no Brasil -, que dobraram de tamanho no primeiro semestre: o saldo passou de US$ 5,3 bilhões em 2012 para US$ 10,9 bilhões em 2013.
O empréstimo é uma forma de aumentar a liquidez da empresa local, mas não há garantias de que esse recurso seja usado no futuro para fazer um investimento, para aplicar no mercado financeiro ou simplesmente remetê-lo de volta para a matriz, caso o país não vá bem.
Por outro lado, os investimentos diretos destinados ao aumento na participação de capital têm caído: entre os meses de janeiro e junho, encolheu 22%, de US$ 24,4 bilhões em 2012 para US$ 19,1 bilhões. São esses os recursos usados na criação, ampliação ou aquisição de um novo negócio e, portanto, novas fábricas, mais produção e empregos. Esse tipo de investimento aumenta o vínculo de longo prazo da companhia com o país e torna o capital o menos volátil.
A participação de cada uma dessas modalidades no bolo total dos investimentos diretos no Brasil mudou radicalmente. No primeiro semestre de 2012, 82% do IED líquido era composto por aplicações em participação de capital, e em 18% de empréstimos das matrizes para as filiais. Hoje, os empréstimos são 36%, contra 64% de capital destinado à criação de novos negócios.
"A conta do IED inclui os empréstimos, mas eles são diferentes do investimento produtivo, que é o que vai para obras, para capital", disse Felipe Salto, economista da Tendências Consultoria. "Esses empréstimos são apenas uma forma alternativa de trazer dinheiro para o país, que aparece como investimento, mas pode acabar sendo usado apenas para especulação financeira. A probabilidade de que esse capital vire investimento produtivo é bem menor, e o país com certeza perde em atividade."
Segundo Salto, um dos fatores responsáveis pela aceleração do processo de mudança de perfil do investimento estrangeiro direto é o aumento da Selic, a taxa básica de juros, que começou o ano em 7,25%, está em 8,5% e estima-se que chegará ao fim de 2013 por volta de 9,5%. Quanto mais elevados os juros, mais rentáveis e atraentes ficam as aplicações financeiras, em relação ao retorno obtido ao colocar o dinheiro em uma fábrica, por exemplo.
Antônio Madeira, economista da LCA Consultores, destaca também as mudanças feitas pelo governo ao longo do ano passado nas regras de cobrança de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre captações de empréstimos no exterior. Até junho de 2012, todas as operações com prazo até cinco anos tinham que recolher 6% de IOF. Na tentativa de estimular a entrada de capital e conter o aumento da cotação do dólar, o prazo foi inicialmente reduzido para dois anos e, depois, em dezembro, para um ano.
"A entrada de investimento estrangeiro para aumento de capital nunca pagou IOF, mas havia essa barreira para os empréstimos", disse Madeira. "A partir do momento em que o governo flexibiliza essa regra, a empresa que quer colocar dinheiro aqui volta a usar a modalidade."
Além de estar cada vez mais baseado nos empréstimos, esse montante vai deixando também de ser suficiente para cobrir o déficit crescente nas transações correntes do país. Nos últimos anos, o IED foi preponderante para manter essa conta no azul, mas, nos 12 meses encerrados em junho, foi insuficiente: somou US$ 65,6 bilhões, ante rombo de US$ 72,5 bilhões na conta corrente, que contabiliza o saldo entre entrada e saída de receita em comércio, serviços e transferências.
"Há uma cautela por parte dos investidores, que estão fazendo novos investimentos, mas não tanto para o longo prazo", diz Luis Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet). "A primeira cautela vem de fora, é com a economia mundial. A segunda é com a economia brasileira, onde aumentou o risco soberano, pode haver redução de rating e há baixo crescimento. Para o investidor, isso é um sinal amarelo."
Essas mudanças nos fluxos financeiros que atingem o país são reflexos de uma reconfiguração que se esboça na economia mundial. Números um pouco melhores da economia norte-americana e indicações recentes do Fed, o banco central dos EUA, de que pode reduzir os estímulos monetários e voltar a elevar juros, jogaram o dólar para cima e criaram a expectativa de que os fluxos de capitais que transbordaram em países emergentes, como o Brasil, voltem a ser direcionados para os EUA.
"O resultado final do IED no Brasil se estabilizou na casa dos US$ 60 bilhões ao ano, e o simples fato de estar estável já é sinal de que os capitais não estão mais vindo para cá. O mundo está crescendo e o Brasil fica nesse número", disse José Francisco Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator. Ele ressalta, no entanto, que a mudança na composição do IED aqui dentro não significa, necessariamente, menos investimento produtivo no país.
"O aumento de capital não necessariamente aumenta o investimento, o capital fixo", diz Gonçalves. "Ele pode ser apenas a compra de um ativo já existente. Por outro lado, afirma, o dinheiro que entra como empréstimo a filiais pode acabar aplicado no mercado financeiro, sem beneficiar a produção do país, mas pode também ir para a ampliação do negócio.
Lima, da Sobeet, ressalta que o enfraquecimento nos investimentos não deve ser visto como perda de importância do Brasil no cenário internacional. "O investidor está com um pé atrás muito mais em relação a outros países do que em relação ao Brasil", disse. Em 2012, por exemplo, enquanto o fluxo mundial de investimentos em produção caiu 18%, a queda no Brasil foi de apenas 2%, o que levou o país a passar da quinta para a quarta posição entre os principais destinos desses capitais no mundo, segundo relatório da Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad).
"As empresas estrangeiras ainda veem o Brasil com bons olhos, e continuamos como um dos maiores polos de atração", disse o presidente da Sobeet. "O que preocupa é que, mundialmente, isso tende mesmo a cair, e ficamos cada vez mais dependentes do IED para financiar o déficit das transações correntes. Foi uma boa onda em que o Brasil surfou, mas a disputa pelos investimentos, daqui para frente, será bem maior por um bolo cada vez menor."