Nos últimos dias, manifestações populares eclodiram em vários pontos do Brasil, carregando características jamais vistas no País. Estamos habituados a ver protestos de todas as ordens, porém sempre específicos, com objetivos definidos e com identificação clara de suas origens e suas lideranças.
Esse movimento, entretanto, surge de forma diferente. Da reivindicação inicial por redução do preço da passagem, ganhou novos tons, como reação à repressão desencadeada contra o movimento, em São Paulo. A partir daí, unificada pela questão da melhoria do transporte público e a defesa da liberdade de expressão e do direito a manifestação, o movimento cresceu e se tornou nacional e internacional, rapidamente.
Os motivos se diversificaram, o movimento encontrou apoio imediato por parte de brasileiros espalhados pelos cinco continentes que, mesmo de longe, também vão às ruas em solidariedade aos movimentos das cidades brasileiras.
Diversos analistas políticos e estudiosos de movimentos populares manifestam-se, perplexos, sobre esse novíssimo tipo de movimento. Poucos têm expressado certezas sobre esta nova realidade.
A nós, nos parece que é hora de ouvir. É hora de compreender que a população brasileira começa a exigir, mesmo que de forma ainda difusa, o cumprimento do parágrafo único do artigo primeiro da Constituição da República Federativa do Brasil:
“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
As críticas sobre as opções e as prioridades de investimentos definidas por representantes de todos os partidos; a exigência de transporte a preço justo a todos os prefeitos de todos os partidos; os pedidos de não cerceamento do poder de investigação de fraudes, corrupções e outros abusos contra a população, ainda não são acompanhados de propostas concretas de alternativas, formas e regulamentações que tornem corretos, justos e eficazes os atos para garantir bons serviços ao povo.
Parafraseando José Régio em Cântico Negro, parece que o povo está nas ruas para dizer:
“Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: ’vem por aqui’!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!”
A Diretoria da ANABB não sabe o final desta história. Tampouco sabe o enredo dos próximos capítulos. Mas reconhece que é muito salutar o fato de as pessoas romperem o isolamento das atitudes individualistas e resolverem lutar por causas que julgam justas. É muito importante que, sobretudo, a juventude, criticada por atitudes egocêntricas ou céticas em relação ao seu papel na sociedade, encontre disposição para lutar, nas ruas, o bom combate pela melhoria das condições de vida para todos os brasileiros.
É correto não mais aceitar que a instituição policial seja usada contra a população que reivindica, de forma forte, afirmativa e pacífica, seu direito a uma vida melhor. Porém, se as manifestações não admitem a violência, seu pressuposto é de afirmar-se também como não violentas.
Para nós, que pretendemos representar segmentos específicos de brasileiros através das entidades e instituições que dirigimos, é hora de estar juntos com os demais brasileiros, para ouvi-los, para buscar compreender seus desejos, e para tentar nos manter dignos das representações que nos foram delegadas.
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