O Banco Central mudou de comportamento ao acelerar o ritmo de alta dos juros justamente quando a economia dá sinais de fraqueza. Mas é cedo para acreditar que isso signifique uma mudança de rumo da política monetária, capaz de trazer a inflação de volta ao centro da meta oficial, de 4,5%. Essa é a opinião do ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central e atual coordenador de estudos dos mercados emergentes da Tandem Global Partners, Paulo Vieira da Cunha.
O Banco Central mudou de comportamento ao acelerar o ritmo de alta dos juros justamente quando a economia dá sinais de fraqueza. Mas é cedo para acreditar que isso signifique uma mudança de rumo da política monetária, capaz de trazer a inflação de volta ao centro da meta oficial, de 4,5%. Essa é a opinião do ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central e atual coordenador de estudos dos mercados emergentes da Tandem Global Partners, Paulo Vieira da Cunha.
Para ele, o BC surpreendeu o mercado ao elevar a taxa Selic em 0,5 ponto percentual, no mesmo dia em que o IBGE divulgou um decepcionante crescimento do PIB, com o objetivo de reconquistar a credibilidade junto ao mercado. Agora, Vieira da Cunha espera mais duas altas da Selic, uma de 0,5 ponto e uma última de 0,25 ponto, o que levaria a taxa para 8,75%. No entanto, essa elevação deve ser insuficiente para ancorar a inflação. O economista diz que o BC já está atrasado e que, se agisse de acordo com os padrões que vigoraram até 2009, a Selic já deveria estar 250 pontos básicos acima do nível atual. A seguir, os principais pontos da entrevista:
Valor: A elevação de 0,5 ponto percentual na taxa básica Selic, que surpreendeu o mercado financeiro, pode marcar uma nova fase da política monetária?
Paulo Vieira da Cunha: Eu espero que sim. Mas se teremos essa confirmação, é difícil dizer. É bastante claro que houve uma mudança no comportamento da função de reação do Banco Central. A partir de 2009, momento que antecede o governo Dilma, a função de reação não responde de forma sistemática ao hiato da inflação, mas muito fortemente ao hiato do PIB. Esse foi o comportamento histórico desse Copom. Não dá para saber se ele mudou em uma única decisão. Se você usasse a função anterior, dadas as características da inflação atual, a taxa de juros teria que estar 250 pontos básicos acima de onde está agora. E eu acho que o BC não vai dar esse orçamento. Eu trabalhava com um ciclo de 100 pontos básicos e agora está mais claro que deve ser um orçamento de 150 pontos, mas isso vai levar a taxa de juros a 8,75%. Se a gente considerasse a função anterior, a Selic deveria estar agora em 10,5%, 11%.
Valor: De todo modo, o Copom alterou o ritmo do aperto monetário. Por quê?
Vieira da Cunha: Obviamente, houve uma mudança de comportamento no Copom. Acho que eles estão tentando reparar a perda de credibilidade. A segunda linha do comunicado, que foi muito lacônico, diz que eles vão olhar para a inflação do ano que vem. É um BC que volta a ter meta. Mas se a ambição é realmente trazer a inflação mais perto da meta oficial no ano que vem, ele precisa ter uma ação determinada. A minha expectativa é que ele dê mais uma de alta de 0,50 ponto em julho e 0,25 ponto em agosto, levando a Selic para 8,75%. E é aí que será o problema. Essa taxa não deve ser suficiente para debelar a inflação. Acho que este BC faz parte de um contexto de política econômica maior, que não quer que a inflação suba muito acima dos 6%. Estão muito mais dispostos a utilizar outros instrumentos que não a taxa de juros. Eu acho que isso vai continuar. Infelizmente, meu diagnóstico é que, à medida que essa política econômica mais ampla continue, a incerteza vai perdurar. A condução da política macroeconômica está desequilibrada. Tem uma expansão fiscal muito grande que, na margem, requereria um aperto monetário muito mais do que este BC está disposto a dar. Então, o Banco Central está atrasado por causa da credibilidade - no regime de metas, a taxa de juros é um passo para credibilidade - e também da expansão fiscal.
Valor: O calendário eleitoral pode ter influenciado a decisão do Copom?
Vieira da Cunha: Há uma tentativa da política macroeconômica de tentar ancorar a inflação antes do começo do ano que vem, para não ter esse problema durante o ano eleitoral. Eu acredito que, se o objetivo é de fato ter uma inflação que fique mais ou menos perto de 6%, eles vão conseguir. Não só com a política monetária, mas com outros instrumentos, como controle de preços e mudanças de tributos. Mas essa não é uma política consistente.
Valor: De que forma o câmbio, que sofre pressões externas de desvalorização, pode influenciar essa política?
Vieira da Cunha: Política monetária é política de curto prazo. E o BC sabe disso. No curto prazo, o Brasil tem um volume de reservas que inibe qualquer ameaça de ataque especulativo e, por isso, não acredito que isso vá acontecer. Mas a tendência de mais longo prazo é de o real continuar se depreciando. E o BC não pode controlar isso, apenas amortecer o movimento. O ideal seria que o BC pudesse contar com uma tendência de apreciação do real. Então, eles dependem mais da taxa de juros doméstica neste momento. O câmbio é um fator de inflação, porque ajuda a desancorar as expectativas, e não pelo repasse. É mais um elemento de instabilidade.
Valor: O que pode ter sido determinante para o Copom tomar sua decisão?
Vieira da Cunha: Foi uma decisão coerente com as declarações do [presidente do Banco Central, Alexandre] Tombini. E acho que não foi norteada por fatores conjunturais. Eu acho que eles continuam trabalhando com um cenário de recuperação do PIB, talvez otimista demais. E aí é que vai ser complicado. Não sei o que este Copom fará se chegar em julho ou em agosto e o PIB ainda estiver desacelerando. Dará prosseguimento ao ciclo?