Previsões sobre a tendência das taxas de juros feitas por especialistas vinculados ao mercado financeiro quase sempre provocam reações extremadas. A crítica mais frequente é a falta de isenção na divulgação das análises.
Previsões sobre a tendência das taxas de juros feitas por especialistas vinculados ao mercado financeiro quase sempre provocam reações extremadas. A crítica mais frequente é a falta de isenção na divulgação das análises.
A percepção é que, para qualquer instituição financeira, quanto maior os juros, melhor. Assim, as previsões de bancos e corretoras refletiriam, na verdade, o interesse de que as taxas fossem sempre mais altas.
O fato é que previsões exercem atração sobre os investidores. Reportagem de Sérgio Tauhata, do Valor, mostrou que, além das técnicas tradicionais, as modalidades exóticas tais como o Feng Shui (corrente de pensamento chinesa milenar) e astrologia financeira são usadas para tentar antever as cotações dos mais diversos ativos. E atraem grande grupo de seguidores.
No mercado de renda fixa brasileiro, a busca por modelos alternativos para prever o comportamento dos juros talvez faça sentido. Afinal, a complexidade das contas herança do período de hiperinflação é exagerada: as taxas de juros são capitalizadas de forma exponencial e calculadas por dias úteis.
Se o aplicador pretende investir por dois anos para tirar proveito do Imposto de Renda mais baixo, por exemplo, é preciso conhecer todos os feriados do período para calcular a quantidade exata de dias úteis no prazo da operação. Para padronizar as cotações e comparar as opções de investimento, o costume é considerar que um ano possui 252 dias úteis, a despeito da quantidade efetiva de feriados.
Outra tradição do mercado de renda fixa são as chamadas operações de balcão. Significa que os negócios são acertados diretamente entre as partes envolvidas, sem a necessidade de divulgação pública, como acontece nas operações em bolsa de valores.
Comparar taxas e entender as previsões para a evolução das cotações acaba sendo tarefa complexa para os investidores. A reação natural é indexar as aplicações às taxas de curto prazo, notadamente a variação do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI).
Há cerca de um mês, o Banco Central (BC) passou a fazer, diariamente, operações compromissadas com prazo de aproximadamente 90 dias. Além de diminuir o excesso de dinheiro em circulação no mercado, o objetivo secundário é criar um novo parâmetro de referência para as taxas de juros de curto prazo.
As transações do BC abrangem, normalmente, o período compreendido entre duas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom). Assim, a partir das taxas das operações compromissadas é possível tentar calcular a expectativa para as decisões da autoridade monetária. A premissa é que fazer uma única aplicação por 90 dias na taxa de captação do BC ou diversas operações diárias remuneradas pela Selic pelo prazo de 90 dias é indiferente. No fim do período, o resultado deveria ser igual.
Os juros das operações compromissadas podem indicar, portanto, a tendência para os ajustes na taxa Selic que serão promovidos pelo Copom.
No dia 23 de abril, por exemplo, a taxa das operações compromissadas com vencimento em 23 de julho era de 7,64% ao ano. O investidor poderia travar essa remuneração ou escolher aplicar diariamente os recursos com remuneração atrelada à taxa básica diária. A decisão seria pela alternativa que proporcionasse a maior expectativa de retorno.
Escolhendo a aplicação vinculada à taxa Selic, a remuneração do investimento iria oscilar de acordo com as decisões do Copom. Assumindo dois aumentos consecutivos de 0,25 ponto percentual nas reuniões de maio e de julho, a rentabilidade média desde o dia 23 de abril até o dia 23 de julho seria de 7,59% ao ano.
Nesse cenário, com a Selic subindo para 7,75% ao ano em maio e para 8% ao ano em julho, a aplicação de curto prazo teria retorno menor do que a operação compromissada. Entretanto, se o aumento da Selic fosse de meio ponto percentual na reunião do Copom de maio e de mais 0,25 ponto percentual no encontro de julho, o ganho total da aplicação atrelada à taxa básica seria de 7,74% ao ano.
Ontem, as taxas das operações compromissadas subiram para 7,93% ao ano. Significa que, agora, estão mais próximas do patamar de 7,96% ao ano, que prevê reajuste da Selic para 8% ao ano na reunião de maio, alcançando 8,25% ao ano em julho.
Se esse tipo de projeção é mais eficiente do que o Feng Shui financeiro, só o tempo poderá dizer. Para o investidor mais cético, talvez compense comparar as duas modalidades.
Marcelo d'Agosto é economista especializado em administração de investimentos com mais de 20 anos de experiência no mercado financeiro.
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Fonte: Valor econômico