O mercado brasileiro de medicamentos genéricos teve um desempenho espetacular desde a sua regulamentação no país em 1999. Desde então, cresceu a uma taxa média anual de 53%. Hoje, os genéricos representam pouco mais de 20% das vendas de medicamentos da indústria ao varejo, o equivalente a quase R$ 10 bilhões. Esse crescimento foi impulsionado, direta e indiretamente, pelo governo por meio de medidas de redistribuição de renda, da priorização da compra desses produtos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e da adoção de facilidades regulatórias pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o seu ingresso no mercado. A maioria das empresas farmacêuticas nacionais, assim como algumas estrangeiras, percebeu essa tendência e apostou fortemente nesse segmento. Essa aposta criou uma dinâmica própria ao setor, muito focada em estratégias de venda, na eficiência dos canais de distribuição e em dispendiosas ações de marketing, tendo em vista a coexistência de categorias muito próximas de produtos: genéricos, genéricos de marca e "similares". A recente expansão da classe C (63 milhões de pessoas com renda domiciliar média de três a seis salários mínimos) também foi crucial para os fabricantes de genéricos ganharem escala e diversificarem portfólio, deixando-os mais bem posicionados para enfrentar a consolidação do mercado de farmácias; movimento que deve continuar nos próximos anos e atingir o elo superior da cadeia, forçando uma maior consolidação dos atacadistas. O restante das multinacionais estrangeiras, segundo algumas consultorias, teria desistido da batalha contra os genéricos e adotado uma estratégia tímida de venda de seus medicamentos de referência tanto no Brasil como em outros mercados emergentes. Como consequência, estariam perdendo grande oportunidade de lucrar com vendas para a ascendente classe média. Políticas de distribuição de remédios pode levar o consumo para longe dos medicamentos de referência Porém, será que a questão estratégica é mesmo tão dual e existencial, na forma de uma escolha entre medicamentos genéricos e os de referência? Será que as multinacionais estrangeiras devem, como Hamlet, questionar-se se a mais nobre estratégia é sofrer ou lutar contra os genéricos? Há vários indícios de que a pergunta correta não seja esta, e de que a estratégia apropriada seja conviver com a nova realidade e diversificar negócios e riscos. Os medicamentos genéricos são uma realidade do mercado de saúde que veio para ficar, principalmente se depender da racionalização dos gastos com medicamentos promovida pelo governo. O mesmo é válido para as operadoras de planos de saúde caso a Agência Nacional de Saúde (ANS) siga a tendência internacional e passe a obrigá-las a cobrir gastos com medicamentos. Se por um lado, a maior penetração de planos de saúde permitirá que pacientes de classe média tenham acesso a médicos mais propensos a receitar medicamentos patenteados, por outro, as seguradoras exigirão que os laboratórios comprovem que seus medicamentos sejam opções mais baratas de tratamento por serem mais eficazes. Além disso, a dinâmica da indústria farmacêutica mundial mudou. O crescente rigor dos processos de aprovação pelos diversos órgãos reguladores tem elevado significativamente o custo de teste de drogas inovadoras. O acelerado processo de fusões e aquisições fez com que as empresas passassem a se preocupar com o processo de integração e ganhos de sinergia, além de terem sua capacidade financeira de investimento em P&D temporariamente reduzida. Com a crise financeira global, o apetite para investir em arriscados projetos de longo prazo diminuiu ainda mais e o número de solicitações de novas patentes caiu. Por sua vez, os investimentos mantidos estão cada vez mais concentrados em drogas obtidas por rotas biológicas, a nova fronteira tecnológica. A concentração do pipeline é coerente no longo prazo dado que a cópia de biológicos por concorrentes é mais complicada e custosa. Contudo, os biológicos tem preço elevado e são inacessíveis à grande maioria da população, inclusive a nova classe média. No Brasil, a compra de biológicos é concentrada no SUS. Portanto, a estratégia de relacionamento de muitas farmacêuticas com o governo será ainda mais crucial no futuro. Diversificar, apostando no mercado de genéricos, é também uma forma de alinhar-se com o governo. Ciente de sua restrição orçamentária e da alta nos custos de aquisição de medicamentos em função, principalmente, da maior adoção de biológicos, o governo possui absoluta preferência pela compra de genéricos sempre que possível. A política industrial para o setor está alinhada com esta preferência, uma vez que para o atual governo inovação é a produção de algo ainda não produzido no Brasil, e não necessariamente inédito no mundo. As parcerias assinadas por laboratórios públicos para a fabricação de medicamentos com patente expirada e os financiamentos do BNDES aos fabricantes nacionais de genéricos são dois exemplos claros desta política. Os programas públicos de distribuição de remédios (Farmácia Popular) também têm um grande potencial de direcionar o consumo para longe dos medicamentos de referência. Preços subsidiados ou a distribuição gratuita de uma cesta crescente de medicamentos para tratar das doenças que mais afligem a população está aumentando a elasticidade da demanda; isto é, está desestimulando a classe média a pagar por medicamentos de marca mais caros. Os altos dividendos políticos devem incentivar o governo a expandir estes programas. As empresas farmacêuticas em geral, e as maiores multinacionais em específico, devem desenhar estratégias em função desta nova realidade, indo além do investimento em relacionamento com os médicos. Investimentos em inovação e ganhos de produtividade são obviamente essenciais para atingir a liderança neste mercado. Diversificar portfólio com a produção de genéricos de medicamentos próprios e de terceiros, agregar valor aos genéricos de marca, e antecipar a defesa das patentes que estão por expirar através de planos de fidelização são alguns exemplos de ações adicionais que têm trazido resultados positivos às empresas que as adotaram. (Alberto Bueno e Ricardo Camargo Mendes - Valor Online)
O mercado brasileiro de medicamentos genéricos teve um desempenho espetacular desde a sua regulamentação no país em 1999. Desde então, cresceu a uma taxa média anual de 53%. Hoje, os genéricos representam pouco mais de 20% das vendas de medicamentos da indústria ao varejo, o equivalente a quase R$ 10 bilhões. Esse crescimento foi impulsionado, direta e indiretamente, pelo governo por meio de medidas de redistribuição de renda, da priorização da compra desses produtos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e da adoção de facilidades regulatórias pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o seu ingresso no mercado.
A maioria das empresas farmacêuticas nacionais, assim como algumas estrangeiras, percebeu essa tendência e apostou fortemente nesse segmento. Essa aposta criou uma dinâmica própria ao setor, muito focada em estratégias de venda, na eficiência dos canais de distribuição e em dispendiosas ações de marketing, tendo em vista a coexistência de categorias muito próximas de produtos: genéricos, genéricos de marca e "similares". A recente expansão da classe C (63 milhões de pessoas com renda domiciliar média de três a seis salários mínimos) também foi crucial para os fabricantes de genéricos ganharem escala e diversificarem portfólio, deixando-os mais bem posicionados para enfrentar a consolidação do mercado de farmácias; movimento que deve continuar nos próximos anos e atingir o elo superior da cadeia, forçando uma maior consolidação dos atacadistas.
O restante das multinacionais estrangeiras, segundo algumas consultorias, teria desistido da batalha contra os genéricos e adotado uma estratégia tímida de venda de seus medicamentos de referência tanto no Brasil como em outros mercados emergentes. Como consequência, estariam perdendo grande oportunidade de lucrar com vendas para a ascendente classe média.
Políticas de distribuição de remédios pode levar o consumo para longe dos medicamentos de referência
Porém, será que a questão estratégica é mesmo tão dual e existencial, na forma de uma escolha entre medicamentos genéricos e os de referência? Será que as multinacionais estrangeiras devem, como Hamlet, questionar-se se a mais nobre estratégia é sofrer ou lutar contra os genéricos? Há vários indícios de que a pergunta correta não seja esta, e de que a estratégia apropriada seja conviver com a nova realidade e diversificar negócios e riscos.
Os medicamentos genéricos são uma realidade do mercado de saúde que veio para ficar, principalmente se depender da racionalização dos gastos com medicamentos promovida pelo governo. O mesmo é válido para as operadoras de planos de saúde caso a Agência Nacional de Saúde (ANS) siga a tendência internacional e passe a obrigá-las a cobrir gastos com medicamentos. Se por um lado, a maior penetração de planos de saúde permitirá que pacientes de classe média tenham acesso a médicos mais propensos a receitar medicamentos patenteados, por outro, as seguradoras exigirão que os laboratórios comprovem que seus medicamentos sejam opções mais baratas de tratamento por serem mais eficazes.
Além disso, a dinâmica da indústria farmacêutica mundial mudou. O crescente rigor dos processos de aprovação pelos diversos órgãos reguladores tem elevado significativamente o custo de teste de drogas inovadoras. O acelerado processo de fusões e aquisições fez com que as empresas passassem a se preocupar com o processo de integração e ganhos de sinergia, além de terem sua capacidade financeira de investimento em P&D temporariamente reduzida. Com a crise financeira global, o apetite para investir em arriscados projetos de longo prazo diminuiu ainda mais e o número de solicitações de novas patentes caiu.
Por sua vez, os investimentos mantidos estão cada vez mais concentrados em drogas obtidas por rotas biológicas, a nova fronteira tecnológica. A concentração do pipeline é coerente no longo prazo dado que a cópia de biológicos por concorrentes é mais complicada e custosa. Contudo, os biológicos tem preço elevado e são inacessíveis à grande maioria da população, inclusive a nova classe média. No Brasil, a compra de biológicos é concentrada no SUS. Portanto, a estratégia de relacionamento de muitas farmacêuticas com o governo será ainda mais crucial no futuro.
Diversificar, apostando no mercado de genéricos, é também uma forma de alinhar-se com o governo. Ciente de sua restrição orçamentária e da alta nos custos de aquisição de medicamentos em função, principalmente, da maior adoção de biológicos, o governo possui absoluta preferência pela compra de genéricos sempre que possível. A política industrial para o setor está alinhada com esta preferência, uma vez que para o atual governo inovação é a produção de algo ainda não produzido no Brasil, e não necessariamente inédito no mundo. As parcerias assinadas por laboratórios públicos para a fabricação de medicamentos com patente expirada e os financiamentos do BNDES aos fabricantes nacionais de genéricos são dois exemplos claros desta política.
Os programas públicos de distribuição de remédios (Farmácia Popular) também têm um grande potencial de direcionar o consumo para longe dos medicamentos de referência. Preços subsidiados ou a distribuição gratuita de uma cesta crescente de medicamentos para tratar das doenças que mais afligem a população está aumentando a elasticidade da demanda; isto é, está desestimulando a classe média a pagar por medicamentos de marca mais caros. Os altos dividendos políticos devem incentivar o governo a expandir estes programas.
As empresas farmacêuticas em geral, e as maiores multinacionais em específico, devem desenhar estratégias em função desta nova realidade, indo além do investimento em relacionamento com os médicos. Investimentos em inovação e ganhos de produtividade são obviamente essenciais para atingir a liderança neste mercado. Diversificar portfólio com a produção de genéricos de medicamentos próprios e de terceiros, agregar valor aos genéricos de marca, e antecipar a defesa das patentes que estão por expirar através de planos de fidelização são alguns exemplos de ações adicionais que têm trazido resultados positivos às empresas que as adotaram.
FONTE: Valor Online