Quase três anos depois de ter entrado no capital do Banco Votorantim, cujo controle divide com a família Ermírio de Moraes, o Banco do Brasil comanda uma profunda reestruturação na instituição financeira, num processo que deve se prolongar pelo menos até o próximo ano. O Valor apurou que, nesse processo, o Banco do Brasil cogita comprar a participação da família Ermírio de Moraes no negócio. Seu maior interesse está na BV Financeira. Os dois lados já travaram negociações, mas não chegaram a um acordo em torno do preço do Votorantim. Em 2008, quando o banco federal entrou no negócio, a instituição foi avaliada em R$ 8 bilhões. Hoje, pelas contas do BB, o preço ficaria entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões. Mas a família quer uma avaliação de R$ 15 bilhões. Bônus fora dos parâmetros de mercado. Cruzeiros marítimos e carros de luxo distribuídos como brindes para os melhores vendedores de empréstimos. Sistemas frouxos de avaliação de risco de calote. Esse é um retrato parcial da instituição que o Banco do Brasil encontrou no Banco Votorantim, cujo controle o banco estatal divide com a família Ermírio de Moraes desde o começo de 2009. Agora, quase três anos depois de entrar no Votorantim, o Banco do Brasil comanda uma reviravolta no banco, uma reestruturação que teve início em meados do ano passado e ainda deve se arrastar pelo menos até o ano que vem. É um processo que pode até resultar em uma mudança societária, com o Banco do Brasil assumindo 100% da instituição. Os ajustes para arrumar a casa começaram com a troca da linha de frente da diretoria do banco, incluindo o presidente Wilson Masao Kuzuhara, um dos fundadores do banco em 1991 e que fez carreira no grupo Votorantim. Mas vão bem além disso. Sistemas de aprovação de crédito, reservas financeiras para calotes, contabilidade, equipes e salários estão sendo revistos. Linhas de negócio, como o financiamento a veículos novos e o crédito consignado, também são redesenhados. Até ser concluído, esse processo deve exigir novo aporte de capital no banco. "Precisamos ter eficiência operacional. Não é fácil. É só o início de um processo", diz João Roberto Gonçalves Teixeira, executivo indicado para a presidência do Votorantim pelo Banco do Brasil. Teixeira nega ter sido indicado pelo BB. O executivo também refuta a informação de que a reestruturação no banco esteja sendo liderada pelo banco estatal. "Não é o modelo do BB que está sendo implantado. Ele está presente por meio do conselho. O BB é parceiro na revisão, trazendo informações." Enquanto a reforma não estiver pronta, o Votorantim não vai voltar a crescer. Por isso, se a instituição ficará menor em termos de negócio, também terá uma estrutura menor. Nos próximos meses, o banco deve passar por um significativo corte de pessoal. Departamentos como jurídico, de recursos humanos e de governança, que antes tinham estruturas duplicadas para o banco e para a financeira BV, estão sendo unificados. "O corte de custos vai nos capacitar a crescer", afirma Teixeira. Essas mudanças no banco têm sido aprovadas por unanimidade no conselho de administração desde a chegada de Teixeira à presidência do Votorantim. Mas, segundo o Valor apurou, em meio a esse processo, o BB cogita comprar a participação da família Ermírio de Moraes no banco. O maior interesse do BB está na BV Financeira. As partes até já sentaram para negociar, mas não chegaram a um acordo em torno do preço do Votorantim. Em 2008, quando o banco estatal entrou no negócio, o Votorantim foi avaliado em R$ 8 bilhões. Hoje, pelas contas do Banco do Brasil, o preço ficaria entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões. Mas a família acena com R$ 15 bilhões. Procurada pela reportagem, a Votorantim Finanças preferiu se manifestar por meio de uma nota, negando a informação. "A holding financeira do grupo Votorantim tem total confiança e compromisso com a instituição, que é, e continuará sendo, parte do "core business" do grupo", informou. O BB não concedeu entrevista. Segundo apurou o Valor, o impasse em torno do preço se dá porque o Banco do Brasil avalia que comprou um negócio que se mostrou diferente daquilo que se imaginava. O sistema para avaliação de risco de créditos, por exemplo, provou não ter sido o melhor, já que a inadimplência da carteira de varejo, que é basicamente composta de financiamento a veículos, alcançou 8% em dezembro do ano passado. No sistema como um todo, os calotes dobraram no financiamento de automóveis ao longo de 2011, mas mesmo assim ficaram em 5%, abaixo do índice do Votorantim. Para cobrir esses calotes e se prevenir de novos problemas com inadimplência - que já estão no radar -, o Votorantim separou no ano passado R$ 3,6 bilhões. É o triplo do volume de provisões feitas em 2010. O ajuste fez o banco registrar um prejuízo de R$ 201 milhões no ano passado, o primeiro resultado negativo da história do Votorantim. É por isso que o Banco do Brasil cobra mudanças. De acordo com interlocutores próximos à família Ermírio de Moraes, o grupo Votorantim reconhece que o banco precisa ser fortalecido. Mas, para os fundadores, os novos sócios também têm sua parcela de responsabilidade em relação aos problemas que o banco enfrenta hoje. Ao entrar no Votorantim, o governo resolveu os problemas que o grupo tinha na empresa de papel e celulose com derivativos, operações que trouxeram perdas de R$ 2,2 bilhões. Mas não foi só isso. Em 2009, de posse de um banco especializado em financiamento de veículos, era desejo do governo estimular o consumo em tempos de crise. Por isso o Banco do Brasil incentivou a produção de créditos no Votorantim, que depois eram comprados pelo banco estatal. Foram R$ 14,5 bilhões em carteiras compradas do Votorantim pelo BB. A aquisição do banco do grupo industrial permitiu à instituição estatal pular do terceiro para o segundo lugar no ranking de crédito de varejo, superando o Bradesco em mais de R$ 20 bilhões atualmente e ficando atrás apenas do Itaú Unibanco. "Navio BV" zarpava com 2 mil correspondentes, com direito a show de Gilberto Gil e da banda Calcinha Preta O Valor apurou que, na interpretação da família Ermírio de Moraes, o apetite do BB levou o Votorantim a acelerar a produção em uma área que não era sua especialidade: o crédito em concessionárias de carros. Apesar de ter como foco o crédito para a compra de veículos, a BV se especializou em um negócio de nicho, de carros usados, negociados em revendas. Da carteira de R$ 19,9 bilhões de financiamento a veículos que o banco tinha em 2008, 86% eram para usados. Hoje, dos R$ 47,5 bilhões, 67% são de carros rodados. Apesar de tudo parecer girar em torno de veículos, revendas e concessionárias são negócios distintos. As concessionárias são controladas por grandes grupos empresariais, com pesado poder de barganha em relação a comissões. A disputa por taxas de juro também é feroz, o que faz desse um mercado das grandes instituições financeiras. Já nas revendas, a negociação é, na maioria das vezes, feita com o dono do estabelecimento, que possui um ou poucos pontos de venda. Isso faz com que os revendedores fiquem com menos poder para pechinchar. Daqui para a frente, essa questão será resolvida. O Votorantim voltará às origens, concentrando esforços no crédito para usados. O trabalho de gerar operações para o BB em concessionárias continuará, mas com uma nova roupagem. O Votorantim será uma espécie de correspondente bancário do banco estatal. Será remunerado por operação gerada nas concessionárias, sem ter de manter os financiamentos em balanço e usar seu custo de captação mais elevado. O novo modelo, segundo Teixeira, deve entrar em operação nos próximos meses. O Votorantim ficará responsável por gerar a operação e por fazer o controle de pagamentos e de atendimento ao público no pós-venda. É essa expertise no varejo que faz da BV Financeira o ativo mais valioso do Votorantim para o Banco do Brasil. Para voltar à forma, o banco também está revendo uma série de estímulos que incentivava os executivos a produzir créditos, sem se preocupar tanto com a qualidade deles. O Votorantim adotava uma política de pagamento de salários fixos abaixo da média dos concorrentes, sistema que está em fase de ajuste. O que compensava no Votorantim eram os bônus mais gordos do que os de outras instituições. O Valor apurou que os salários dos executivos do alto escalão, por exemplo, giravam entre R$ 30 mil e R$ 40 mil, mas os bônus superavam os milhões. Kuzuhara ganhou R$ 13 milhões num só ano. Os vice-presidentes ganharam um pouco menos, R$ 11 milhões. Mesmo em 2011, quando o BV teve prejuízo, os bônus individuais iriam alcançar R$ 4 milhões. Iriam. O Banco do Brasil proibiu a distribuição, dado o péssimo resultado do banco. Em 2010, como comparação, a média paga pelo Bradesco aos diretores foi de R$ 3,7 milhões por executivo; no Itaú, R$ 8,1 milhões (R$ 5,2 milhões em bônus); e no Santander, R$ 4,7 milhões (R$ 2,8 milhões em bônus). Seguindo o que acontece nas empresas estatais, o Banco do Brasil tem uma remuneração mais baixa, de R$ 717 mil (R$ 246 mil em bônus). Essa política de remuneração estimulava o banco a gerar gigantescas carteiras de crédito, que em seguida eram revendidas com lucro. Até o ano passado, as regras contábeis permitiam que o resultado com a venda de uma carteira fosse registrado no ato da transação. O problema é que, de acordo com os contratos, o prejuízo gerado por essas carteiras em caso de inadimplência precisa ser coberto pelo próprio Votorantim. Bônus de executivo chegava a até R$ 13 milhões em um ano, superando o valor pago pelos grandes bancos Outra mudança está sendo feita nos incentivos dados aos correspondentes bancários - pessoas terceirizadas, encarregadas de gerar créditos em troca de comissões. Todos os anos o "Navio BV" zarpava do litoral brasileiro com os correspondentes premiados à bordo. Diversos vídeos no Youtube mostram que os cruzeiros patrocinados pela financeira, em navios para até 2 mil passageiros da operadora MSC, eram regados a bebida e festas, com direito a shows como da banda Calcinha Preta (em 2010) e de Gilberto Gil (em 2007). Carros de luxo, como BMWs e Hondas CRV, também eram distribuídos aos melhores vendedores. Embora a distribuição de prêmios seja praxe entre as financeiras, no caso da BV os mimos eram mais extravagantes. O Valor conversou com dois correspondentes que consideravam o Votorantim a instituição com os melhores incentivos do mercado. Agora, isso ficou de lado. Paulo Mendonça, que chefiava a BV Financeira e era conhecido no mercado por liderar essa política, deixou o banco em maio de 2011. O comando passou para Élcio Santos, ex-executivo da financeira Losango e do banco Safra. A Votorantim Finanças diz desconhecer as premiações. "O banco teve, sim, um resultado negativo, impactado diretamente pela mudança no cenário bancário brasileiro. Dois fatores foram determinantes para o resultado: as medidas macroprudenciais e a elevação sistêmica da inadimplência, especialmente no segmento de veículos", informou o grupo em nota. Por ser responsável quase 75% da carteira de crédito do Votorantim, os processos na BV estão passando por uma lupa. Toda sexta-feira, as principais lideranças do banco das áreas financeira, comercial, de crédito e de cobrança têm passado o dia na financeira. A BV limitou a concessão de crédito com prazo superior a 48 meses e passou a exigir que os financiamentos tenham uma entrada mínima de 20% do valor total parcelado. Decisões de aprovação de crédito, que antes eram tomadas nas filias, foram centralizadas. Os primeiros sinais positivos das concessões feitas sob as novas regras já começaram a surgir. Em novembro, o índice de atrasos acima de 30 dias do vencimento da primeira parcela ficou em 2%, abaixo dos 4,6% de março de 2011, auge da inadimplência no banco. "Enquanto um novo modelo não estiver 100% formatado, a carteira de crédito de varejo não vai crescer", diz Teixeira. Em 2011, a expansão dos créditos que ficam retidos no balanço do banco foi de 3,4%, bastante inferior à média do sistema, que foi de 19%, segundo dados do Banco Central. Considerando os créditos vendidos a terceiros, o crescimento foi de 12,6%. Mesmo depois que o banco estiver reestruturado, a BV não deve ganhar novamente as proporções que tem hoje dentro do Votorantim, de quase três quartos da carteira de empréstimos. Além de não fazer mais o financiamento de carros novos, o banco está deixando operações de crédito consignado que não se mostram rentáveis. "No futuro, metade da carteira do banco deve ser de varejo, e a outra metade, de atacado", diz Teixeira. A questão que fica é: os problemas poderiam ter sido evitados antes, com sistemas de controle de risco mais rígidos e custos mais controlados? "É difícil ser engenheiro de obra pronta", responde Teixeira, cuja tarefa é deixar o Votorantim pronto para o futuro. "O banco está sendo preparado para voltar a crescer com rentabilidade." (Colaborou Fernando Torres)
Quase três anos depois de ter entrado no capital do Banco Votorantim, cujo controle divide com a família Ermírio de Moraes, o Banco do Brasil comanda uma profunda reestruturação na instituição financeira, num processo que deve se prolongar pelo menos até o próximo ano.
O Valor apurou que, nesse processo, o Banco do Brasil cogita comprar a participação da família Ermírio de Moraes no negócio. Seu maior interesse está na BV Financeira. Os dois lados já travaram negociações, mas não chegaram a um acordo em torno do preço do Votorantim. Em 2008, quando o banco federal entrou no negócio, a instituição foi avaliada em R$ 8 bilhões. Hoje, pelas contas do BB, o preço ficaria entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões. Mas a família quer uma avaliação de R$ 15 bilhões.
Bônus fora dos parâmetros de mercado. Cruzeiros marítimos e carros de luxo distribuídos como brindes para os melhores vendedores de empréstimos. Sistemas frouxos de avaliação de risco de calote. Esse é um retrato parcial da instituição que o Banco do Brasil encontrou no Banco Votorantim, cujo controle o banco estatal divide com a família Ermírio de Moraes desde o começo de 2009.
Agora, quase três anos depois de entrar no Votorantim, o Banco do Brasil comanda uma reviravolta no banco, uma reestruturação que teve início em meados do ano passado e ainda deve se arrastar pelo menos até o ano que vem. É um processo que pode até resultar em uma mudança societária, com o Banco do Brasil assumindo 100% da instituição.
Os ajustes para arrumar a casa começaram com a troca da linha de frente da diretoria do banco, incluindo o presidente Wilson Masao Kuzuhara, um dos fundadores do banco em 1991 e que fez carreira no grupo Votorantim. Mas vão bem além disso. Sistemas de aprovação de crédito, reservas financeiras para calotes, contabilidade, equipes e salários estão sendo revistos. Linhas de negócio, como o financiamento a veículos novos e o crédito consignado, também são redesenhados. Até ser concluído, esse processo deve exigir novo aporte de capital no banco.
"Precisamos ter eficiência operacional. Não é fácil. É só o início de um processo", diz João Roberto Gonçalves Teixeira, executivo indicado para a presidência do Votorantim pelo Banco do Brasil. Teixeira nega ter sido indicado pelo BB. O executivo também refuta a informação de que a reestruturação no banco esteja sendo liderada pelo banco estatal. "Não é o modelo do BB que está sendo implantado. Ele está presente por meio do conselho. O BB é parceiro na revisão, trazendo informações."
Enquanto a reforma não estiver pronta, o Votorantim não vai voltar a crescer. Por isso, se a instituição ficará menor em termos de negócio, também terá uma estrutura menor. Nos próximos meses, o banco deve passar por um significativo corte de pessoal. Departamentos como jurídico, de recursos humanos e de governança, que antes tinham estruturas duplicadas para o banco e para a financeira BV, estão sendo unificados. "O corte de custos vai nos capacitar a crescer", afirma Teixeira.
Essas mudanças no banco têm sido aprovadas por unanimidade no conselho de administração desde a chegada de Teixeira à presidência do Votorantim. Mas, segundo o Valor apurou, em meio a esse processo, o BB cogita comprar a participação da família Ermírio de Moraes no banco. O maior interesse do BB está na BV Financeira.
As partes até já sentaram para negociar, mas não chegaram a um acordo em torno do preço do Votorantim. Em 2008, quando o banco estatal entrou no negócio, o Votorantim foi avaliado em R$ 8 bilhões. Hoje, pelas contas do Banco do Brasil, o preço ficaria entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões. Mas a família acena com R$ 15 bilhões.
Procurada pela reportagem, a Votorantim Finanças preferiu se manifestar por meio de uma nota, negando a informação. "A holding financeira do grupo Votorantim tem total confiança e compromisso com a instituição, que é, e continuará sendo, parte do "core business" do grupo", informou. O BB não concedeu entrevista.
Segundo apurou o Valor, o impasse em torno do preço se dá porque o Banco do Brasil avalia que comprou um negócio que se mostrou diferente daquilo que se imaginava. O sistema para avaliação de risco de créditos, por exemplo, provou não ter sido o melhor, já que a inadimplência da carteira de varejo, que é basicamente composta de financiamento a veículos, alcançou 8% em dezembro do ano passado. No sistema como um todo, os calotes dobraram no financiamento de automóveis ao longo de 2011, mas mesmo assim ficaram em 5%, abaixo do índice do Votorantim.
Para cobrir esses calotes e se prevenir de novos problemas com inadimplência - que já estão no radar -, o Votorantim separou no ano passado R$ 3,6 bilhões. É o triplo do volume de provisões feitas em 2010. O ajuste fez o banco registrar um prejuízo de R$ 201 milhões no ano passado, o primeiro resultado negativo da história do Votorantim. É por isso que o Banco do Brasil cobra mudanças.
De acordo com interlocutores próximos à família Ermírio de Moraes, o grupo Votorantim reconhece que o banco precisa ser fortalecido. Mas, para os fundadores, os novos sócios também têm sua parcela de responsabilidade em relação aos problemas que o banco enfrenta hoje.
Ao entrar no Votorantim, o governo resolveu os problemas que o grupo tinha na empresa de papel e celulose com derivativos, operações que trouxeram perdas de R$ 2,2 bilhões. Mas não foi só isso. Em 2009, de posse de um banco especializado em financiamento de veículos, era desejo do governo estimular o consumo em tempos de crise. Por isso o Banco do Brasil incentivou a produção de créditos no Votorantim, que depois eram comprados pelo banco estatal.
Foram R$ 14,5 bilhões em carteiras compradas do Votorantim pelo BB. A aquisição do banco do grupo industrial permitiu à instituição estatal pular do terceiro para o segundo lugar no ranking de crédito de varejo, superando o Bradesco em mais de R$ 20 bilhões atualmente e ficando atrás apenas do Itaú Unibanco.
"Navio BV" zarpava com 2 mil correspondentes, com direito a show de Gilberto Gil e da banda Calcinha Preta
O Valor apurou que, na interpretação da família Ermírio de Moraes, o apetite do BB levou o Votorantim a acelerar a produção em uma área que não era sua especialidade: o crédito em concessionárias de carros. Apesar de ter como foco o crédito para a compra de veículos, a BV se especializou em um negócio de nicho, de carros usados, negociados em revendas. Da carteira de R$ 19,9 bilhões de financiamento a veículos que o banco tinha em 2008, 86% eram para usados. Hoje, dos R$ 47,5 bilhões, 67% são de carros rodados.
Apesar de tudo parecer girar em torno de veículos, revendas e concessionárias são negócios distintos. As concessionárias são controladas por grandes grupos empresariais, com pesado poder de barganha em relação a comissões. A disputa por taxas de juro também é feroz, o que faz desse um mercado das grandes instituições financeiras. Já nas revendas, a negociação é, na maioria das vezes, feita com o dono do estabelecimento, que possui um ou poucos pontos de venda. Isso faz com que os revendedores fiquem com menos poder para pechinchar.
Daqui para a frente, essa questão será resolvida. O Votorantim voltará às origens, concentrando esforços no crédito para usados. O trabalho de gerar operações para o BB em concessionárias continuará, mas com uma nova roupagem. O Votorantim será uma espécie de correspondente bancário do banco estatal. Será remunerado por operação gerada nas concessionárias, sem ter de manter os financiamentos em balanço e usar seu custo de captação mais elevado.
O novo modelo, segundo Teixeira, deve entrar em operação nos próximos meses. O Votorantim ficará responsável por gerar a operação e por fazer o controle de pagamentos e de atendimento ao público no pós-venda. É essa expertise no varejo que faz da BV Financeira o ativo mais valioso do Votorantim para o Banco do Brasil.
Para voltar à forma, o banco também está revendo uma série de estímulos que incentivava os executivos a produzir créditos, sem se preocupar tanto com a qualidade deles. O Votorantim adotava uma política de pagamento de salários fixos abaixo da média dos concorrentes, sistema que está em fase de ajuste. O que compensava no Votorantim eram os bônus mais gordos do que os de outras instituições.
O Valor apurou que os salários dos executivos do alto escalão, por exemplo, giravam entre R$ 30 mil e R$ 40 mil, mas os bônus superavam os milhões. Kuzuhara ganhou R$ 13 milhões num só ano. Os vice-presidentes ganharam um pouco menos, R$ 11 milhões. Mesmo em 2011, quando o BV teve prejuízo, os bônus individuais iriam alcançar R$ 4 milhões. Iriam. O Banco do Brasil proibiu a distribuição, dado o péssimo resultado do banco.
Em 2010, como comparação, a média paga pelo Bradesco aos diretores foi de R$ 3,7 milhões por executivo; no Itaú, R$ 8,1 milhões (R$ 5,2 milhões em bônus); e no Santander, R$ 4,7 milhões (R$ 2,8 milhões em bônus). Seguindo o que acontece nas empresas estatais, o Banco do Brasil tem uma remuneração mais baixa, de R$ 717 mil (R$ 246 mil em bônus).
Essa política de remuneração estimulava o banco a gerar gigantescas carteiras de crédito, que em seguida eram revendidas com lucro. Até o ano passado, as regras contábeis permitiam que o resultado com a venda de uma carteira fosse registrado no ato da transação. O problema é que, de acordo com os contratos, o prejuízo gerado por essas carteiras em caso de inadimplência precisa ser coberto pelo próprio Votorantim.
Bônus de executivo chegava a até R$ 13 milhões em um ano, superando o valor pago pelos grandes bancos
Outra mudança está sendo feita nos incentivos dados aos correspondentes bancários - pessoas terceirizadas, encarregadas de gerar créditos em troca de comissões. Todos os anos o "Navio BV" zarpava do litoral brasileiro com os correspondentes premiados à bordo. Diversos vídeos no Youtube mostram que os cruzeiros patrocinados pela financeira, em navios para até 2 mil passageiros da operadora MSC, eram regados a bebida e festas, com direito a shows como da banda Calcinha Preta (em 2010) e de Gilberto Gil (em 2007). Carros de luxo, como BMWs e Hondas CRV, também eram distribuídos aos melhores vendedores. Embora a distribuição de prêmios seja praxe entre as financeiras, no caso da BV os mimos eram mais extravagantes. O Valor conversou com dois correspondentes que consideravam o Votorantim a instituição com os melhores incentivos do mercado.
Agora, isso ficou de lado. Paulo Mendonça, que chefiava a BV Financeira e era conhecido no mercado por liderar essa política, deixou o banco em maio de 2011. O comando passou para Élcio Santos, ex-executivo da financeira Losango e do banco Safra.
A Votorantim Finanças diz desconhecer as premiações. "O banco teve, sim, um resultado negativo, impactado diretamente pela mudança no cenário bancário brasileiro. Dois fatores foram determinantes para o resultado: as medidas macroprudenciais e a elevação sistêmica da inadimplência, especialmente no segmento de veículos", informou o grupo em nota.
Por ser responsável quase 75% da carteira de crédito do Votorantim, os processos na BV estão passando por uma lupa. Toda sexta-feira, as principais lideranças do banco das áreas financeira, comercial, de crédito e de cobrança têm passado o dia na financeira.
A BV limitou a concessão de crédito com prazo superior a 48 meses e passou a exigir que os financiamentos tenham uma entrada mínima de 20% do valor total parcelado. Decisões de aprovação de crédito, que antes eram tomadas nas filias, foram centralizadas. Os primeiros sinais positivos das concessões feitas sob as novas regras já começaram a surgir. Em novembro, o índice de atrasos acima de 30 dias do vencimento da primeira parcela ficou em 2%, abaixo dos 4,6% de março de 2011, auge da inadimplência no banco.
"Enquanto um novo modelo não estiver 100% formatado, a carteira de crédito de varejo não vai crescer", diz Teixeira. Em 2011, a expansão dos créditos que ficam retidos no balanço do banco foi de 3,4%, bastante inferior à média do sistema, que foi de 19%, segundo dados do Banco Central. Considerando os créditos vendidos a terceiros, o crescimento foi de 12,6%.
Mesmo depois que o banco estiver reestruturado, a BV não deve ganhar novamente as proporções que tem hoje dentro do Votorantim, de quase três quartos da carteira de empréstimos. Além de não fazer mais o financiamento de carros novos, o banco está deixando operações de crédito consignado que não se mostram rentáveis. "No futuro, metade da carteira do banco deve ser de varejo, e a outra metade, de atacado", diz Teixeira.
A questão que fica é: os problemas poderiam ter sido evitados antes, com sistemas de controle de risco mais rígidos e custos mais controlados? "É difícil ser engenheiro de obra pronta", responde Teixeira, cuja tarefa é deixar o Votorantim pronto para o futuro. "O banco está sendo preparado para voltar a crescer com rentabilidade." (Colaborou Fernando Torres)
FONTE: Valor Econômico