Roncos ao longo da noite e, em algum momento, silêncio total. Para os que convivem com quem tem apneia do sono, problema de saúde em que a pessoa para de respirar enquanto dorme, os segundos sem barulho deixam de ser relaxantes para causar preocupação. A falta de oxigenação no organismo pode causar uma série de problemas, como hipertensão arterial, arritmias cardíacas e, como constatado em uma pesquisa na Universidade de Dresden, na Alemanha, acidentes vasculares cerebrais (AVCs), mais conhecidos como derrames. O mais alarmante é que, de acordo com o estudo, a apneia grave - com mais de 30 crises por hora
Roncos ao longo da noite e, em algum momento, silêncio total. Para os que convivem com quem tem apneia do sono, problema de saúde em que a pessoa para de respirar enquanto dorme, os segundos sem barulho deixam de ser relaxantes para causar preocupação. A falta de oxigenação no organismo pode causar uma série de problemas, como hipertensão arterial, arritmias cardíacas e, como constatado em uma pesquisa na Universidade de Dresden, na Alemanha, acidentes vasculares cerebrais (AVCs), mais conhecidos como derrames. O mais alarmante é que, de acordo com o estudo, a apneia grave - com mais de 30 crises por hora - aumenta o risco de os indivíduos sofrerem derrames silenciosos (que não apresentam sintomas) e pequenas lesões no cérebro.
A principal autora da análise, Jessica Kepplinger, pesquisadora do Centro de Derrames do Departamento de Neurologia da Universidade de Dresden, conta ao Correio que ela e sua equipe observaram uma altíssima frequência de apneia do sono em pacientes que haviam sofrido AVCs. "Dos 56 pacientes, 91% tinham o problema de saúde, o que o torna um importante fator de risco para derrames", determina. "Em relação a pessoas que tiveram derrames silenciosos, a apneia do sono era mais comum nesse grupo do que nas com AVC comum. Essa questão, no entanto, não foi estatisticamente significante, talvez pelo grupo pequeno de voluntários", explica a neurologista, relatando os dados do estudo, apresentado nesta semana no congresso da American Stroke Association"s International Stroke Conference 2012. A autora acrescentou que mais de um terço das pessoas que sofreram lesões na substância branca do cérebro, que é uma região menos irrigada por sangue, tinham apneia e que, quanto mais grave era a parada respiratória, maiores eram as chances de que o paciente tivesse mais danos cerebrais.
De acordo com o neurologista Rubens José Gagliardi, vice-presidente do Departamento de Doenças Cérebro-Vasculares da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), a relação entre AVC e apneia é conhecida pelos médicos, mas o problema do sono é considerado uma das causas menos frequentes da doença. "Os fatores mais comuns para provocar um derrame são pressão alta, problemas cardíacos - principalmente com arritmias -, diabetes, tabagismo, colesterol alto, obesidade e sedentarismo", enumera. "Mas estudos recentes têm estabelecido cada vez mais que quem tem apneia corre mais riscos de ter AVC. É uma reação em cadeia. A parada da respiração faz com que falte oxigenação no corpo, o que intensifica cardiopatias e a hipertensão arterial."
Jessica concorda com o médico sobre a apneia ser um fator de risco independente para derrames, mas acredita que a relevância desse distúrbio do sono é negligenciada. "Embora ainda não seja completamente compreendido como uma doença leva a outra, na literatura científica propõe-se que a apneia cause respostas inflamatórias, estresse oxidativo e a maior ativação das plaquetas no sangue, que pode provocar aterosclerose nos vasos sanguíneos", relata. O objetivo da equipe com esse estudo, afirma a neurologista, é destacar a importância da apneia do sono não apenas em relação aos derrames com sinais clínicos, mas também aos AVC"s que só são detectados em exames de imagem e podem provocar perdas cognitivas ao longo do tempo. Essa é a razão pela qual o tratamento do distúrbio é tão necessário.
Obstrução ao respirar
O tipo mais comum de apneia, diz o pneumologista Vitor Martins Codeço, é o obstrutivo, em que o tecido que compõe as vias respiratórias fica mais flácido e o espaço entre eles, mais estreito. As vias acabam se fechando temporariamente, bloqueando o fluxo de ar no organismo. "Nesses casos, quase sempre o indivíduo também ronca", explica o especialista em medicina do sono do Hospital Anchieta e funcionário do Hospital Regional da Asa Norte (Hran). O pneumologista Denis Martinez, da Clínica do Sono, em Porto Alegre, determina que a única maneira de fazer com que a respiração volte ao normal é acordar. "Quando o indivíduo desperta, ele contrai a musculatura. Há pessoas que precisam acordar 200, 300 vezes por noite", exemplifica. O distúrbio afeta com mais intensidade mulheres após a menopausa e homens a partir dos 30 anos.
Codeço destaca que as consequências desse problema de saúde são as mais diversas. "No dia a dia, o que mais afeta é a parte cognitiva. O sono não é restaurador, então a pessoa fica sonolenta e diminui a capacidade de concentração", afirma. A apneia também gera uma inflamação no corpo, causando o acúmulo de placas de gordura nas veias e artérias, e dificultando o metabolismo da glicose, o que agrava o quadro de pacientes com diabetes. Martinez acrescenta que a queda do oxigênio no sangue não é o pior. "Grave é a inundação de oxigênio que ocorre quando ele entra no corpo depois desse período. Esse excesso, como destacado pela pesquisadora, provoca estresse oxidativo, que danifica lipídios e proteínas presentes no corpo."
Entre os mais diversos tratamentos contra a apneia e, consequentemente, para evitar AVCs, o mais comum é o uso da máscara para pressão positiva contínua na via aérea (CPAP). O pneumologista do Anchieta e do HRAN descreve que esse aparelho contém uma máscara, que fica acoplada ao nariz e à boca do indivíduo. Ela fica ligada a uma máquina por um tubo, por onde passa ar pressurizado a fim de manter as vias aéreas abertas. "O CPAP só é usado durante o sono", ressalta o pneumologista. O foco dos próximos passos da pesquisa do grupo de Jessica é o dispositivo: "Planejamos fazer um estudo mais amplo com equipamentos de ventilação corretiva não invasiva em pacientes que sofreram derrame e têm apneia do sono".
Há, ainda, outros mecanismos de terapia para reverter o problema. Entre eles, estão medicamentos e cirurgias. "Mas a médio e longo prazos, os procedimentos cirúrgicos não se mostram não eficientes. Cerca de um ano após a operação, aproximadamente 50% das pessoas voltam a ter o distúrbio", lamenta Codeço. Mais uma medida para sofrer menos com as interrupções na respiração, cita Gagliardi, é focar na qualidade de vida. "Fazer a higiene do sono - hábitos que fazem com que as pessoas durmam melhor (veja quadro) -, emagrecer e ter postura inclusive na hora de dormir são necessários no tratamento", salienta.
Higiene do sono
Conheça algumas dicas para dormir melhor:
Dormir no mesmo horário » Ter uma hora definida para ir para a cama e para acordar, mesmo no fim de semana, faz com que o organismo mantenha ajustado seu ciclo de sono.
Desligar a TV » A luz da televisão e do computador estimula o cérebro, que se mantém desperto. Por isso, o ideal é evitar usar esses aparelhos pouco antes de dormir e não mantê-los no quarto.
Ter cuidado com a cafeína » A substância, presente no café, em chás e refrigerantes, é estimulante e pode fazer a pessoa ficar acordada por mais tempo. Como ela fica no organismo até cerca de cinco horas após ser consumida, os médicos alertam que o melhor é evitar comer e beber em excesso alimentos e líquidos que tenham cafeína.
Consumir alimentos leves » O ideal é fazer uma alimentação moderada e nutritiva cerca de duas horas antes de dormir. Ir para a cama com fome ou após consumir comidas pesadas, como passas e frituras, atrapalha o sono.
Exercitar-se » Exercitar-se normalmente ajuda a pessoa a dormir e descansar melhor. Se feito imediatamente antes de se deitar, no entanto, o exercício dificulta o início do sono, motivo pelo qual é melhor evitar atividades intensas à noite.
Dormir em local adequado » O ambiente do quarto deve ser silencioso, escuro e ter temperatura agradável - nem excessivamente fria nem quente demais.
Fontes: Clínica do Sono, Instituto de Medicina e Sono, neurologista Luciano Ribeiro, pneumologista e professor de medicina da Universidade de Brasília (UnB) Ricardo Martins e Donna Arand, diretora clínica do Centro de Doenças do Sono do Kettering Hospital (EUA).
FONTE: Correio Braziliense