Apesar de uma inflação mais comportada desde a implantação do Plano Real, ela ainda provoca estragos. Desconsiderá-la ao avaliar investimentos em prazos mais longos pode provocar análises distorcidas.
Apesar de uma inflação mais comportada desde a implantação do Plano Real, ela ainda provoca estragos. Desconsiderá-la ao avaliar investimentos em prazos mais longos pode provocar análises distorcidas.
A bolsa brasileira rejuvenesceu a partir de 2004 com a abertura de capital de diversas companhias. Em janeiro de 2004, o Ibovespa era negociado a 22.444 pontos. De lá para cá, o índice valorizou-se 164%, atingindo 59.264 pontos em 3 de janeiro de 2012. Excelente rentabilidade, não? Nem tanto.
O CDI, investimento de menor risco, apresentou rentabilidade superior - retorno nominal de inacreditáveis 169% desde 2004. Essa situação subverte a teoria de que quanto maior o risco, maior o retorno. Coisas do Brasil. Apesar dos elevados juros, a brava economia brasileira resistiu. O PIB apresentou expansão real de 39,6% (esperando-se um PIB real de 3% em 2011) desde 2004.
No período, o IPCA, índice inflacionário que suporta o regime de metas de inflação, foi de 51,9%, uma inflação média anual de 5,37%. Para o cálculo do IPCA, não se levou em conta o índice de dezembro/11 a ser divulgado na próxima sexta. Embora em níveis mais civilizados do que os da década de 70, 80 e do início de 90, a inflação ainda é alta. O ganho real da bolsa brasileira foi de 73,7%, enquanto o do CDI alcançou 77% (7,4% ao ano).
O desempenho do Ibovespa foi prejudicado pela crise de 2008. No período, o Ibovespa atingiu sua máxima histórica em 20 de maio de 2008 - 73.516 pontos. O índice atual deveria se valorizar 24% para retornar a esse nível. Não parece muito.
Contudo, caso ajustemos o Ibovespa pela inflação medida pelo IPCA, usando-se preços constantes de janeiro de 2012, o pico ajustado pelo IPCA alcançaria 89.298 pontos. O índice atual representa 66% desse máximo ajustado.
Assim, o índice teria que subir 50,7% para alcançar esse nível e não somente 24%. Nesse ponto, percebemos o quanto a inflação distorce a análise. Mesmo considerando-se que a máxima histórica foi consequência da irracionalidade do mercado, o índice atual ainda está longe do pico histórico ajustado.
O cenário esperado para os próximos anos é diferente do ocorrido entre 2004 e 2011. Não se espera uma rentabilidade tão alta da Selic. Com as economias desenvolvidas apresentando expansão anêmica, a inflação importada tende a ser mais moderada, sinalizando uma política monetária menos restritiva.
Por sua vez, a bolsa é refém do desenrolar da crise europeia. Caso não haja ruptura econômica, a bolsa brasileira pode se recuperar. Há algumas razões para otimismo. A flexibilização da política monetária deve impulsionar a atividade econômica.
A proximidade de eventos como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos deve deslanchar projetos de infraestrutura. O aumento do salário mínimo, a partir de janeiro, deve impactar positivamente a renda da população. A busca por rentabilidade estará atrelada a maior risco. O tempo de "ganhos fáceis" parece ter chegado ao fim. Os analistas que olham o atual índice perto da máxima histórica estão usando lentes equivocadas.
André Rocha é analista certificado pela Apimec e atua há 20 anos como especialista na avaliação de companhias listadas na bolsa
FONTE: Valor Econômico