As mudanças econômicas e sociais ocorridas no Brasil na última década, principalmente a redução da taxa básica de juros (Selic) e o sucesso das políticas sociais, que permitiram o aumento da renda e a criação de uma nova classe média, bem mais robusta, colocam os bancos brasileiros diante da necessidade premente de se reinventar. Ainda temos arraigada uma relação muito forte com a cultura inflacionária, que, no passado, proporcionou margens bastante elevadas aos bancos no Brasil em função dos floats e spreads vigentes à época. A dinâmica desse cenário, bem como o expressivo valor investido à época, fez dos bancos brasileiros referência mundial em termos de automação bancária. Talvez haja igual, mas não há, em qualquer outro lugar do mundo, tecnologia nos serviços bancários que supere a brasileira. Por outro lado, as margens oriundas desse mesmo cenário permitiram aos bancos brasileiros carregarem grande ineficiência. A esse quadro aliam-se movimentos que afetam não só o sistema financeiro brasileiro, mas também o mundial: a desintermediação financeira; novos canais de relacionamento com os clientes, nem sempre financeiros e com custos bem mais baratos que os tradicionais; o acirramento da concorrência internacional, e, ainda, a intensificação da regulação bancária, vide as inúmeras medidas implementadas pelos reguladores financeiros e Basileia 3. Há espaço para elevação do volume de crédito no país, porque a relação crédito/PIB brasileira está em 50,7% Quando verificamos as fontes de resultado de um banco fica evidente que os serviços financeiros (crédito e captação) são as fontes mais significativa de receita para os bancos brasileiros, gerando, em média, 70% do resultado, enquanto tarifas respondem por 30%. Nesse contexto é que a premência por reinvenção assola os bancos no Brasil, pois em meio a tantas transformações, a concessão de crédito tem apresentado spreads cada vez menores e passa a enfrentar maior concorrência do mercado de capitais como alternativa de preço. A boa notícia é que há espaço para elevação do volume de crédito no país. Isso porque a relação crédito/PIB brasileira está em 50,7%, enquanto nos EUA está em 187%, no Reino Unido em 155%, no Japão em 98% e no Chile em 74%. Considerando-se, ainda, o tamanho da população brasileira (194 milhões de pessoas) e que até 2016 nossa economia deverá receber mais de R$ 1,5 trilhão em investimentos para projetos de infraestrutura, incluindo copa do mundo e jogos olímpicos, a alta no volume de crédito deverá compensar, pelo menos em parte, os menores spreads. Além disso, o componente risco no custo do crédito, até então fortemente baseado na seleção adversa, deverá ser beneficiado com a regulamentação do Cadastro Positivo, que permitirá maior segurança nas concessões, contribuindo para reduzir a taxa final dos empréstimos e, assim, ampliando o leque de clientes dispostos a se alavancarem. Soma-se também o potencial de bancarização oriundo do incremento das classes A, B e C, que representavam 39% da população em 2005 e, atualmente, abrigam mais de 75% dos brasileiros. De toda forma, considerando que o segmento bancário é "comoditizado", a diferenciação dos bancos pelos clientes se fundamenta na percepção dos serviços prestados. No Brasil, essa máxima se tornou ainda mais aplicada de janeiro para cá, quando a plenitude da livre opção bancária se juntou à portabilidade do crédito, que poderá ganhar mais espaço em função do Cadastro Positivo, com o acirramento da concorrência entre credores em busca dos "bons pagadores". No tocante a tarifas, ao definir parâmetros de comparação de preços, o Banco Central estimula a competição e, por consequência, a prática de preços mais condizentes com o benefício ofertado. Diante de tudo isso, os movimentos transacionais dos bancos brasileiros deverão ser substituídos por ações relacionais com seus clientes, conectividade e conveniência, com investimentos na fidelização por meio de interações mais sólidas e preços ajustados à nova realidade do país. A maturação do sistema financeiro brasileiro também tem como consequência a sofisticação do portfólio ofertado aos clientes, com ampliação de negócios em segmentos de certa forma ainda incipientes no país, como mercado de capitais e seguros. Por exemplo, no Brasil a relação seguros/PIB é de 3,6% enquanto nos Reino Unido chega 18,3%. Na medida em que cresce o apetite financeiro brasileiro, acompanhado da elevação do grau de inovação, a formação do resultado dos bancos deve sofrer forte impacto, com parte significativa desses resultados passando a ser gerada pela ação em novos produtos. Se por um lado a maneira de gerar negócios toma novas formas, por outro, a reinvenção dos bancos brasileiros passa, necessária e principalmente, por um olhar para dentro das instituições e de todo o sistema buscando maior eficiência para manutenção dos patamares de retorno. É certo que a última década testemunhou gradativa melhora nos índices de eficiência operacional dos bancos no Brasil. Contudo, medidas mais estruturais ainda aguardam encaminhamento. Exemplo disso é que, até então, ainda não havíamos chegado a um entendimento comum para compartilhamento de terminais de autoatendimento (ATM), o que faz com que estrangeiros que ao Brasil venham não compreendam que um mesmo local abrigue 10 ATM de bancos diferentes. Quando observamos países que já passaram por tudo isso, nos deparamos com um bom norte, indicando que mesmo com spreads menores é possível patamares de retorno sobre investimentos em níveis requeridos por investidores. Claro que isso implica em profunda transformação do negócio, com a redução das taxas e a adequação de tarifas compensadas por maior eficiência, oferta adequada ao cliente de produtos e serviços com atendimento de qualidade, conveniência e educação financeira. Podemos deduzir então que as frentes de aumento de receitas por diversificação do portfólio, o aumento da inclusão bancária, novas fontes de captação, aliadas a quebra de paradigmas internos podem dar pistas do tamanho da reinvenção que o sistema bancário brasileiro deverá passar para se manter rentável e competitivo. Paulo Caffarelli é vice-presidente do Banco do Brasil
As mudanças econômicas e sociais ocorridas no Brasil na última década, principalmente a redução da taxa básica de juros (Selic) e o sucesso das políticas sociais, que permitiram o aumento da renda e a criação de uma nova classe média, bem mais robusta, colocam os bancos brasileiros diante da necessidade premente de se reinventar.
Ainda temos arraigada uma relação muito forte com a cultura inflacionária, que, no passado, proporcionou margens bastante elevadas aos bancos no Brasil em função dos floats e spreads vigentes à época. A dinâmica desse cenário, bem como o expressivo valor investido à época, fez dos bancos brasileiros referência mundial em termos de automação bancária. Talvez haja igual, mas não há, em qualquer outro lugar do mundo, tecnologia nos serviços bancários que supere a brasileira. Por outro lado, as margens oriundas desse mesmo cenário permitiram aos bancos brasileiros carregarem grande ineficiência.
A esse quadro aliam-se movimentos que afetam não só o sistema financeiro brasileiro, mas também o mundial: a desintermediação financeira; novos canais de relacionamento com os clientes, nem sempre financeiros e com custos bem mais baratos que os tradicionais; o acirramento da concorrência internacional, e, ainda, a intensificação da regulação bancária, vide as inúmeras medidas implementadas pelos reguladores financeiros e Basileia 3.
Há espaço para elevação do volume de crédito no país, porque a relação crédito/PIB brasileira está em 50,7%
Quando verificamos as fontes de resultado de um banco fica evidente que os serviços financeiros (crédito e captação) são as fontes mais significativa de receita para os bancos brasileiros, gerando, em média, 70% do resultado, enquanto tarifas respondem por 30%.
Nesse contexto é que a premência por reinvenção assola os bancos no Brasil, pois em meio a tantas transformações, a concessão de crédito tem apresentado spreads cada vez menores e passa a enfrentar maior concorrência do mercado de capitais como alternativa de preço.
A boa notícia é que há espaço para elevação do volume de crédito no país. Isso porque a relação crédito/PIB brasileira está em 50,7%, enquanto nos EUA está em 187%, no Reino Unido em 155%, no Japão em 98% e no Chile em 74%. Considerando-se, ainda, o tamanho da população brasileira (194 milhões de pessoas) e que até 2016 nossa economia deverá receber mais de R$ 1,5 trilhão em investimentos para projetos de infraestrutura, incluindo copa do mundo e jogos olímpicos, a alta no volume de crédito deverá compensar, pelo menos em parte, os menores spreads.
Além disso, o componente risco no custo do crédito, até então fortemente baseado na seleção adversa, deverá ser beneficiado com a regulamentação do Cadastro Positivo, que permitirá maior segurança nas concessões, contribuindo para reduzir a taxa final dos empréstimos e, assim, ampliando o leque de clientes dispostos a se alavancarem. Soma-se também o potencial de bancarização oriundo do incremento das classes A, B e C, que representavam 39% da população em 2005 e, atualmente, abrigam mais de 75% dos brasileiros.
De toda forma, considerando que o segmento bancário é "comoditizado", a diferenciação dos bancos pelos clientes se fundamenta na percepção dos serviços prestados. No Brasil, essa máxima se tornou ainda mais aplicada de janeiro para cá, quando a plenitude da livre opção bancária se juntou à portabilidade do crédito, que poderá ganhar mais espaço em função do Cadastro Positivo, com o acirramento da concorrência entre credores em busca dos "bons pagadores".
No tocante a tarifas, ao definir parâmetros de comparação de preços, o Banco Central estimula a competição e, por consequência, a prática de preços mais condizentes com o benefício ofertado.
Diante de tudo isso, os movimentos transacionais dos bancos brasileiros deverão ser substituídos por ações relacionais com seus clientes, conectividade e conveniência, com investimentos na fidelização por meio de interações mais sólidas e preços ajustados à nova realidade do país.
A maturação do sistema financeiro brasileiro também tem como consequência a sofisticação do portfólio ofertado aos clientes, com ampliação de negócios em segmentos de certa forma ainda incipientes no país, como mercado de capitais e seguros. Por exemplo, no Brasil a relação seguros/PIB é de 3,6% enquanto nos Reino Unido chega 18,3%.
Na medida em que cresce o apetite financeiro brasileiro, acompanhado da elevação do grau de inovação, a formação do resultado dos bancos deve sofrer forte impacto, com parte significativa desses resultados passando a ser gerada pela ação em novos produtos.
Se por um lado a maneira de gerar negócios toma novas formas, por outro, a reinvenção dos bancos brasileiros passa, necessária e principalmente, por um olhar para dentro das instituições e de todo o sistema buscando maior eficiência para manutenção dos patamares de retorno.
É certo que a última década testemunhou gradativa melhora nos índices de eficiência operacional dos bancos no Brasil. Contudo, medidas mais estruturais ainda aguardam encaminhamento. Exemplo disso é que, até então, ainda não havíamos chegado a um entendimento comum para compartilhamento de terminais de autoatendimento (ATM), o que faz com que estrangeiros que ao Brasil venham não compreendam que um mesmo local abrigue 10 ATM de bancos diferentes.
Quando observamos países que já passaram por tudo isso, nos deparamos com um bom norte, indicando que mesmo com spreads menores é possível patamares de retorno sobre investimentos em níveis requeridos por investidores. Claro que isso implica em profunda transformação do negócio, com a redução das taxas e a adequação de tarifas compensadas por maior eficiência, oferta adequada ao cliente de produtos e serviços com atendimento de qualidade, conveniência e educação financeira.
Podemos deduzir então que as frentes de aumento de receitas por diversificação do portfólio, o aumento da inclusão bancária, novas fontes de captação, aliadas a quebra de paradigmas internos podem dar pistas do tamanho da reinvenção que o sistema bancário brasileiro deverá passar para se manter rentável e competitivo.
Paulo Caffarelli é vice-presidente do Banco do Brasil
FONTE: Valor Econômico