Ao iniciar, hoje, a votação sobre o terceiro item do mensalão - a acusação de lavagem de dinheiro contra ex-executivos do Banco Rural -, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) vão examinar argumentos do Ministério Público Federal que podem aproximar o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu de uma condenação. A tese que será analisada é a de que a lavagem que teria sido feita pelo banco tinha um endereço certo: transferir dinheiro para políticos. Essa transferência, realizada por meio de saques, teria sido feita, segundo o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, sob as ordens de Dirceu. Em suas alegações finais, Gurgel utilizou o argumento do banco de que registrou todas as transferências bancárias para jogá-lo contra o ex-ministro-chefe. A defesa dos dirigentes do Rural afirmou que foi feito o registro de cada um dos saques e, portanto, a instituição não teria o intuito de ocultar o destino do dinheiro ou lavá-lo. Mas, para Gurgel, os registros tiveram outro objetivo - o de prestar contas a Dirceu. "Caso José Dirceu ou qualquer outro integrante dos núcleos político e operacional solicitasse informações sobre eventual pagamento, o Banco Rural tinha como informar quanto e quando pagou e quem recebeu o dinheiro", disse Gurgel, nas alegações finais entregues aos ministros do STF. "Em suma, os registros permitiram que os dirigentes do Rural prestassem contas de suas ações aos núcleos político e operacional da quadrilha", completou o procurador-geral. Os debates que aconteceram até agora na Corte indicam um cenário ruim para o ex-ministro-chefe. Na quinta-feira, o decano do STF, Celso de Mello, considerado um dos ministros mais garantistas do tribunal, defendeu a aplicação de uma teoria invocada pelo Ministério Público: o domínio do fato. De acordo com essa tese, não é preciso provar o ato específico de cada réu para cometer os crimes, pois bastaria verificar se ele tinha conhecimento dos fatos devido ao seu cargo, posição ou mesmo se ele se omitiu no dever de impedir que os delitos fossem consumados. "É preciso lembrar que o crime foi realizado num concurso de pessoas", disse Celso de Mello. "Não é necessário que cada um dos réus tenha praticado todos os atos fraudulentos. Cada coautor tem a sorte do fato total em suas mãos através do cumprimento de uma função específica na perpetuação de um projeto criminoso", completou o decano. O presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto, também defendeu outra tese que pode dificultar a situação de Dirceu no julgamento. Para ele, o tribunal pode condenar a prática de ato de ofício por omissão de seu autor. A tese do ato de ofício foi utilizada pela defesa dos réus para cobrar do STF que eles só poderiam ser condenados se for comprovada uma contrapartida ao ato criminoso. Assim, o tribunal teria que utilizar provas de que deputados receberam dinheiro e, em contrapartida, votaram com o governo para condená-los. Mas, para Britto, o ato de ofício é da função de quem o exerce. "O ato de ofício é o ato do ofício, da função e ele pode ocorrer também por omissão", afirmou o presidente do Supremo. "A doutrina é unânime neste sentido aqui no STF", continuou o ministro. Na quinta-feira, a maioria das teses levantadas pela defesa falhou e o STF confirmou a condenação de mais três réus do mensalão. A ex-presidente do Rural Kátia Rabello, o ex-diretor José Roberto Salgado e o atual vice-presidente, Vinícius Samarane, foram condenados por gestão fraudulenta do banco. Apenas a ex-diretora Ayanna Tenório foi absolvida, pois a maioria dos ministros considerou que ela não teve um papel relevante nos empréstimos de R$ 32 milhões que foram concedidos pelo Rural ao PT e às agências do publicitário Marcos Valério. Hoje, os quatro réus do Rural vão ser julgados por lavagem de dinheiro. Além deles, o STF vai analisar a imputação pelo mesmo crime contra Marcos Valério, Cristiano Paz, Ramon Hollerbach, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Os três primeiros já foram condenados pelo desvio de dinheiro da Câmara dos Deputados e do BANCO DO BRASIL. "A cada passo complica-se a situação dos acusados, pouco importando o núcleo, se é o operacional, o financeiro ou o político", afirmou o ministro Marco Aurélio Mello, na quinta-feira. "Eu diria, no jargão carioca, haja coração", completou. Os ex-ministros da Justiça Marcio Thomaz Bastos e José Carlos Dias advogam para os réus do Rural que foram condenados por unanimidade e pretendem entrar com novos recursos, assim que a decisão final do STF for publicada no "Diário da Justiça". Eles vão ingressar com embargos de declaração - recurso utilizado para contestar eventuais omissões, erros, obscuridades ou contradições nas decisões da Justiça. "Respeito e tenho grande orgulho pelo Supremo, mas acho que errou nesse processo", disse Bastos, reclamando da condenação de Salgado por gestão fraudulenta. "O campo semântico desse processo é gestão temerária, pois se fala em negligência. Só se fala em fraude em abstrato, mas não se aponta nenhum ato", sustentou. Para Bastos, o Supremo está "perigosamente flexibilizando garantias" do direito penal no julgamento do mensalão. Dias também demonstrou insatisfação quanto à decisão do STF pela condenação de sua cliente, Kátia Rabello. "Eu esperava que houvesse individualização [da conduta de cada réu]. Estou desapontado", disse Dias, após o anúncio da condenação. "Eu não esperava que fosse praticado um erro judiciário, mas os juízes também erram." Dias e Bastos se disseram preocupados com o prazo de dois dias para recorrer da decisão do Supremo, pois imaginam que o acórdão terá mais de mil páginas. Eles estão pedindo aos ministros que coloquem seus votos à disposição na internet, mesmo sem revisão, para que os embargos possam ser preparados com antecedência. Ao encerrar a sessão de quinta-feira, Ayres Britto afirmou que o STF foi rigoroso no respeito ao direito de defesa dos réus. "O processo penal é eminentemente garantista, o que "sobredificulta" o papel do Ministério Público", disse o presidente da Corte. "Mas só há processo penal eficaz se forem observadas rigorosamente as garantias constitucionais. E me parece que o STF tem observado isso com rigor."
Ao iniciar, hoje, a votação sobre o terceiro item do mensalão - a acusação de lavagem de dinheiro contra ex-executivos do Banco Rural -, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) vão examinar argumentos do Ministério Público Federal que podem aproximar o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu de uma condenação.
A tese que será analisada é a de que a lavagem que teria sido feita pelo banco tinha um endereço certo: transferir dinheiro para políticos. Essa transferência, realizada por meio de saques, teria sido feita, segundo o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, sob as ordens de Dirceu.
Em suas alegações finais, Gurgel utilizou o argumento do banco de que registrou todas as transferências bancárias para jogá-lo contra o ex-ministro-chefe. A defesa dos dirigentes do Rural afirmou que foi feito o registro de cada um dos saques e, portanto, a instituição não teria o intuito de ocultar o destino do dinheiro ou lavá-lo. Mas, para Gurgel, os registros tiveram outro objetivo - o de prestar contas a Dirceu.
"Caso José Dirceu ou qualquer outro integrante dos núcleos político e operacional solicitasse informações sobre eventual pagamento, o Banco Rural tinha como informar quanto e quando pagou e quem recebeu o dinheiro", disse Gurgel, nas alegações finais entregues aos ministros do STF. "Em suma, os registros permitiram que os dirigentes do Rural prestassem contas de suas ações aos núcleos político e operacional da quadrilha", completou o procurador-geral.
Os debates que aconteceram até agora na Corte indicam um cenário ruim para o ex-ministro-chefe. Na quinta-feira, o decano do STF, Celso de Mello, considerado um dos ministros mais garantistas do tribunal, defendeu a aplicação de uma teoria invocada pelo Ministério Público: o domínio do fato. De acordo com essa tese, não é preciso provar o ato específico de cada réu para cometer os crimes, pois bastaria verificar se ele tinha conhecimento dos fatos devido ao seu cargo, posição ou mesmo se ele se omitiu no dever de impedir que os delitos fossem consumados.
"É preciso lembrar que o crime foi realizado num concurso de pessoas", disse Celso de Mello. "Não é necessário que cada um dos réus tenha praticado todos os atos fraudulentos. Cada coautor tem a sorte do fato total em suas mãos através do cumprimento de uma função específica na perpetuação de um projeto criminoso", completou o decano.
O presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto, também defendeu outra tese que pode dificultar a situação de Dirceu no julgamento. Para ele, o tribunal pode condenar a prática de ato de ofício por omissão de seu autor.
A tese do ato de ofício foi utilizada pela defesa dos réus para cobrar do STF que eles só poderiam ser condenados se for comprovada uma contrapartida ao ato criminoso. Assim, o tribunal teria que utilizar provas de que deputados receberam dinheiro e, em contrapartida, votaram com o governo para condená-los. Mas, para Britto, o ato de ofício é da função de quem o exerce. "O ato de ofício é o ato do ofício, da função e ele pode ocorrer também por omissão", afirmou o presidente do Supremo. "A doutrina é unânime neste sentido aqui no STF", continuou o ministro.
Na quinta-feira, a maioria das teses levantadas pela defesa falhou e o STF confirmou a condenação de mais três réus do mensalão. A ex-presidente do Rural Kátia Rabello, o ex-diretor José Roberto Salgado e o atual vice-presidente, Vinícius Samarane, foram condenados por gestão fraudulenta do banco. Apenas a ex-diretora Ayanna Tenório foi absolvida, pois a maioria dos ministros considerou que ela não teve um papel relevante nos empréstimos de R$ 32 milhões que foram concedidos pelo Rural ao PT e às agências do publicitário Marcos Valério.
Hoje, os quatro réus do Rural vão ser julgados por lavagem de dinheiro. Além deles, o STF vai analisar a imputação pelo mesmo crime contra Marcos Valério, Cristiano Paz, Ramon Hollerbach, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Os três primeiros já foram condenados pelo desvio de dinheiro da Câmara dos Deputados e do BANCO DO BRASIL.
"A cada passo complica-se a situação dos acusados, pouco importando o núcleo, se é o operacional, o financeiro ou o político", afirmou o ministro Marco Aurélio Mello, na quinta-feira. "Eu diria, no jargão carioca, haja coração", completou.
Os ex-ministros da Justiça Marcio Thomaz Bastos e José Carlos Dias advogam para os réus do Rural que foram condenados por unanimidade e pretendem entrar com novos recursos, assim que a decisão final do STF for publicada no "Diário da Justiça". Eles vão ingressar com embargos de declaração - recurso utilizado para contestar eventuais omissões, erros, obscuridades ou contradições nas decisões da Justiça.
"Respeito e tenho grande orgulho pelo Supremo, mas acho que errou nesse processo", disse Bastos, reclamando da condenação de Salgado por gestão fraudulenta. "O campo semântico desse processo é gestão temerária, pois se fala em negligência. Só se fala em fraude em abstrato, mas não se aponta nenhum ato", sustentou. Para Bastos, o Supremo está "perigosamente flexibilizando garantias" do direito penal no julgamento do mensalão.
Dias também demonstrou insatisfação quanto à decisão do STF pela condenação de sua cliente, Kátia Rabello. "Eu esperava que houvesse individualização [da conduta de cada réu]. Estou desapontado", disse Dias, após o anúncio da condenação. "Eu não esperava que fosse praticado um erro judiciário, mas os juízes também erram."
Dias e Bastos se disseram preocupados com o prazo de dois dias para recorrer da decisão do Supremo, pois imaginam que o acórdão terá mais de mil páginas. Eles estão pedindo aos ministros que coloquem seus votos à disposição na internet, mesmo sem revisão, para que os embargos possam ser preparados com antecedência.
Ao encerrar a sessão de quinta-feira, Ayres Britto afirmou que o STF foi rigoroso no respeito ao direito de defesa dos réus. "O processo penal é eminentemente garantista, o que "sobredificulta" o papel do Ministério Público", disse o presidente da Corte. "Mas só há processo penal eficaz se forem observadas rigorosamente as garantias constitucionais. E me parece que o STF tem observado isso com rigor."
FONTE: Valor Econômico