BRASÍLIA No primeiro dia do julgamento do mensalão, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou ontem uma tentativa da defesa de desmembrar o processo e excluir da ação 35 dos 38 réus - os que não têm direito a foro privilegiado. A questão antecipou o confronto público entre dois ministros: o relator do processo, Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski. Nos bastidores, os dois já acumulavam rusgas. A votação de ontem não estava prevista no cronograma da Corte. Com o atraso, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que faria sua primeira explanação ontem, só poderá fazer isso hoje. E a defesa oral dos réus ocorrerá só a partir da próxima semana. Logo que o presidente do tribunal, Carlos Ayres Britto, anunciou o início do julgamento, o advogado Marcio Thomaz Bastos, que defende José Roberto Salgado, ex-dirigente do Banco Rural, pediu que os ministros desmembrassem o processo. Seriam julgados pelo STF apenas os três réus com direito a foro especial: os deputados João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP). A ação contra os demais seria transferida para a primeira instância da Justiça. STF votou a questão outras 3 vezes A questão já havia sido votada em outras três ocasiões pelo plenário do STF, mas o advogado argumentou que as discussões não tinham levado em conta aspectos constitucionais. Bastos negou interesse de adiar o julgamento: - Não me venha dizer que se trata de expediente para adiar o julgamento, ao contrário. O processo está pronto para ser julgado. Se concedida (a questão de ordem), o processo vai pronto para o juiz natural dar sua sentença. Barbosa negou de pronto o pedido. Em seguida, Lewandowski anunciou que votaria a favor. Foi o ensejo para o primeiro bate-boca do julgamento. - Vossa Excelência é revisor desse processo. Dialogamos ao longo desses dois anos e meio em que vossa excelência é revisor. Causa-me espécie Vossa Excelência se pronunciar pelo desmembramento do processo, quando poderia tê-lo feito há seis, oito meses. Vossa Excelência poderia ter pedido, eu traria em questão de ordem - revoltou-se Joaquim Barbosa. - Eu, como revisor, ao longo deste julgamento farei valer o meu direito de me manifestar sempre que entender necessário - rebateu Lewandowski. - É deslealdade! - acusou Barbosa. - Acho que é um termo um pouco forte que Vossa Excelência está usando, e já está prenunciando que este julgamento será muito tumultuado - disse Lewandowski. Mais adiante, Barbosa lembrou que a questão foi analisada em plenário pela primeira vez em 2005. Na ocasião, os dois foram favoráveis ao desmembramento, mas acabaram derrotados pela maioria. Por isso, ambos votaram contra o desmembramento em outras duas ocasiões. Ontem, Lewandowski disse que pretendia "mostrar que a matéria foi ventilada sob outro enfoque". "O Supremo também pode errar" Em seu voto, ressaltou que pessoas sem direito ao foro especial têm o direito ao chamado duplo grau de jurisdição, ou seja, de recorrer a outro tribunal de uma eventual condenação. Isso não aconteceria no caso de julgamento pelo STF, pois trata-se da mais alta Corte. - O Supremo também pode errar, quer na arte de proceder, quer na arte de julgar. E decidindo, não há a quem recorrer - alertou o revisor. Ele também argumentou que o tribunal tem desmembrado processos semelhantes, e não seria justo tratar os réus do mensalão de outra forma. -Lewandowski colocou em questão a legitimidade desta Corte para julgar esta ação penal - atacou Barbosa. - Estou defendendo apenas o duplo grau de jurisdição. Jamais faltarei com respeito à Corte que com muita honra integro - respondeu Lewandowski. - Nós temos tudo gravado. - Estou sendo atacado pessoalmente. Vossa Excelência se atenha aos fatos, e não à minha pessoa. Ayres Britto tentou apaziguar os ânimos e depois minimizou o ocorrido: - Não houve bate-boca, houve uma discussão acalorada. Faz parte da protagonização da cena judiciária. Marco Aurélio Mello chegou a sugerir que a discussão "não descambasse para o campo pessoal". Em vão. Lewandowski perdeu a discussão jurídica: por nove a dois, os ministros decidiram que o processo será totalmente julgado no STF. Marco Aurélio votou com o revisor. - Sob minha ótica, pela Constituição, (o desmembramento) não implicará retrocesso. Implicará sim a baixa do processo à primeira instância, aparelhada para julgamento - disse Marco Aurélio. O voto do revisor durou uma hora e meia. Ayres Britto chegou a pedir celeridade, mas não foi atendido: - Esse é um julgamento tão importante, histórico, como vossa excelência classifica, onde estão em jogo a vida, a honra, a liberdade. Vida no sentido lato da palavra, porque alguém que for condenado por esta Suprema Corte terá a vida indelevelmente manchada. Os outros nove ministros concordaram com o relator. - Por mais relevantes que sejam os fundamentos, não se pode, no mesmo processo, voltar atrás (na decisão). A marcha é para frente - disse Rosa Weber. Ao fim do dia, Barbosa relembrou os crimes pelos quais respondem os réus. Começou falando do núcleo político, do qual faz parte o ex-ministro José Dirceu. E anunciou que o processo trata de desvios de recursos da Câmara dos Deputados e do Banco do Brasil por meio de empresas de Marcos Valério.
BRASÍLIA No primeiro dia do julgamento do mensalão, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou ontem uma tentativa da defesa de desmembrar o processo e excluir da ação 35 dos 38 réus - os que não têm direito a foro privilegiado. A questão antecipou o confronto público entre dois ministros: o relator do processo, Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski. Nos bastidores, os dois já acumulavam rusgas. A votação de ontem não estava prevista no cronograma da Corte. Com o atraso, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que faria sua primeira explanação ontem, só poderá fazer isso hoje. E a defesa oral dos réus ocorrerá só a partir da próxima semana.
Logo que o presidente do tribunal, Carlos Ayres Britto, anunciou o início do julgamento, o advogado Marcio Thomaz Bastos, que defende José Roberto Salgado, ex-dirigente do Banco Rural, pediu que os ministros desmembrassem o processo. Seriam julgados pelo STF apenas os três réus com direito a foro especial: os deputados João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP). A ação contra os demais seria transferida para a primeira instância da Justiça.
STF votou a questão outras 3 vezes
A questão já havia sido votada em outras três ocasiões pelo plenário do STF, mas o advogado argumentou que as discussões não tinham levado em conta aspectos constitucionais. Bastos negou interesse de adiar o julgamento:
- Não me venha dizer que se trata de expediente para adiar o julgamento, ao contrário. O processo está pronto para ser julgado. Se concedida (a questão de ordem), o processo vai pronto para o juiz natural dar sua sentença.
Barbosa negou de pronto o pedido. Em seguida, Lewandowski anunciou que votaria a favor. Foi o ensejo para o primeiro bate-boca do julgamento.
- Vossa Excelência é revisor desse processo. Dialogamos ao longo desses dois anos e meio em que vossa excelência é revisor. Causa-me espécie Vossa Excelência se pronunciar pelo desmembramento do processo, quando poderia tê-lo feito há seis, oito meses. Vossa Excelência poderia ter pedido, eu traria em questão de ordem - revoltou-se Joaquim Barbosa.
- Eu, como revisor, ao longo deste julgamento farei valer o meu direito de me manifestar sempre que entender necessário - rebateu Lewandowski.
- É deslealdade! - acusou Barbosa.
- Acho que é um termo um pouco forte que Vossa Excelência está usando, e já está prenunciando que este julgamento será muito tumultuado - disse Lewandowski.
Mais adiante, Barbosa lembrou que a questão foi analisada em plenário pela primeira vez em 2005. Na ocasião, os dois foram favoráveis ao desmembramento, mas acabaram derrotados pela maioria. Por isso, ambos votaram contra o desmembramento em outras duas ocasiões. Ontem, Lewandowski disse que pretendia "mostrar que a matéria foi ventilada sob outro enfoque".
"O Supremo também pode errar"
Em seu voto, ressaltou que pessoas sem direito ao foro especial têm o direito ao chamado duplo grau de jurisdição, ou seja, de recorrer a outro tribunal de uma eventual condenação. Isso não aconteceria no caso de julgamento pelo STF, pois trata-se da mais alta Corte.
- O Supremo também pode errar, quer na arte de proceder, quer na arte de julgar. E decidindo, não há a quem recorrer - alertou o revisor.
Ele também argumentou que o tribunal tem desmembrado processos semelhantes, e não seria justo tratar os réus do mensalão de outra forma.
-Lewandowski colocou em questão a legitimidade desta Corte para julgar esta ação penal - atacou Barbosa.
- Estou defendendo apenas o duplo grau de jurisdição. Jamais faltarei com respeito à Corte que com muita honra integro - respondeu Lewandowski.
- Nós temos tudo gravado.
- Estou sendo atacado pessoalmente. Vossa Excelência se atenha aos fatos, e não à minha pessoa.
Ayres Britto tentou apaziguar os ânimos e depois minimizou o ocorrido:
- Não houve bate-boca, houve uma discussão acalorada. Faz parte da protagonização da cena judiciária.
Marco Aurélio Mello chegou a sugerir que a discussão "não descambasse para o campo pessoal". Em vão. Lewandowski perdeu a discussão jurídica: por nove a dois, os ministros decidiram que o processo será totalmente julgado no STF. Marco Aurélio votou com o revisor.
- Sob minha ótica, pela Constituição, (o desmembramento) não implicará retrocesso. Implicará sim a baixa do processo à primeira instância, aparelhada para julgamento - disse Marco Aurélio.
O voto do revisor durou uma hora e meia. Ayres Britto chegou a pedir celeridade, mas não foi atendido:
- Esse é um julgamento tão importante, histórico, como vossa excelência classifica, onde estão em jogo a vida, a honra, a liberdade. Vida no sentido lato da palavra, porque alguém que for condenado por esta Suprema Corte terá a vida indelevelmente manchada.
Os outros nove ministros concordaram com o relator.
- Por mais relevantes que sejam os fundamentos, não se pode, no mesmo processo, voltar atrás (na decisão). A marcha é para frente - disse Rosa Weber.
Ao fim do dia, Barbosa relembrou os crimes pelos quais respondem os réus. Começou falando do núcleo político, do qual faz parte o ex-ministro José Dirceu. E anunciou que o processo trata de desvios de recursos da Câmara dos Deputados e do Banco do Brasil por meio de empresas de Marcos Valério.
FONTE: O Globo