Aos poucos, o contágio da severa crise na zona do euro, que pode culminar com seu esfacelamento, começa a cobrar seu preço da economia global. Abalados por verem a montanha de títulos soberanos absolutamente seguros se transformar em papéis de baixa qualidade em questão de meses, os bancos europeus estão racionando cada vez mais o crédito
Aos poucos, o contágio da severa crise na zona do euro, que pode culminar com seu esfacelamento, começa a cobrar seu preço da economia global. Abalados por verem a montanha de títulos soberanos absolutamente seguros se transformar em papéis de baixa qualidade em questão de meses, os bancos europeus estão racionando cada vez mais o crédito.
Os pacotes de austeridade que se abateram sobre todos os países da união monetária deprimem a economia, e a previsão feita ontem pela OCDE aponta uma situação ainda pior em 2012, com um avanço de 0,5% -- se tudo não piorar, o que é uma hipótese que hoje parece muito otimista.
De forma semelhante à crise de 2008, da qual as agruras da crise do euro são mais um capítulo turbulento, o contágio inicial se dá pelos canais financeiros. Os papéis das dívidas soberanas da zona do euro, que abarrotam os bancos, tornaram as instituições financeiras reféns da ação dos governos da região.
E como na crise americana, a dependência dos bancos europeus de financiamento de curto prazo no mercado é especialmente alta. Os 90 bancos que fizeram parte do teste de estresse realizado neste ano pela Autoridade Bancária Europeia - e que se revelou brando em demasia - terão de refinanciar US$ 5,4 trilhões em dívida nos próximos dois anos, ou o equivalente a 45% do Produto Interno Bruto da União Europeia ("Financial Times", 4 de agosto).
A exposição às dívidas soberanas trouxe mais riscos de contrapartes aos empréstimos interbancários e esse risco crescente elimina a liquidez do mercado. Na segunda-feira o Banco Central Europeu mantinha US$ 400 bilhões em seus cofres provenientes de instituições financeiras que preferem ser mal remuneradas a realizar empréstimos.
Com isso, o mercado de emissões de dívida caminha para a virtual paralisia, enquanto os bancos se abastecem de € 1,24 trilhão em linhas de liquidez no BCE.
Como mostram os números do boletim do BCE de outubro, não apenas as condições da oferta de crédito estão sendo apertadas, como a demanda por empréstimos está em queda.
Os bancos europeus serão forçados a se retrair em seus negócios pelo mundo, já que correm sério perigo em seus mercados de origem. Isso já ocorreu nos EUA, onde a sondagem do Fed com os bancos que operam no país detectou que 23% das instituições europeias tornaram mais rígidos os requisitos para emprestar no terceiro trimestre.
Obviamente, a desconfiança é mútua e dois terços dos bancos americanos racionaram créditos para bancos europeus e para companhias que têm negócios significativos na zona do euro.
Para os países emergentes, a ameaça é que o financiamento europeu sofra grave interrupção, o que ainda não ocorreu. Na Ásia, os empréstimos dos bancos da zona do euro suprem 21% do financiamento externo total de US$ 2,5 trilhões. Alguns países são muito dependentes desses recursos, que compõem 52% do funding da Coreia do Sul e 75% do da Indonésia ("FT", 8 de novembro).
No Brasil, os ativos das instituições da união monetária correspondem a 73% do total de ativos de instituições estrangeiras - US$ 416 bilhões e US$ 568 bilhões, respectivamente, segundo dados do BIS para o segundo trimestre. Os bancos espanhóis têm uma fatia de 50% dos europeus, com US$ 210 bilhões.
Se os canais financeiros podem ser rapidamente obstruídos, os do comércio internacional levam um pouco mais de tempo. Dado o rápido encolhimento das atividades econômicas na zona do euro, o contágio já ocorre.
As exportações da China para a União Europeia perderam velocidade nos 12 meses terminados em outubro, embora ainda tenham crescido 7,5%, ante os 9,8% de setembro. Para a Itália, porém, declinaram 18%.
Não se sabe com que intensidade a transmissão da crise europeia pelos dois canais atingirão o Brasil. A interrupção dos canais de crédito, como em 2008, jogou rapidamente a economia brasileira em recessão.
Por outro lado, se não houver uma quebradeira generalizada de bancos europeus, eles terão de fazer negócios com os poucos países que estão crescendo no mundo, os emergentes, já que Europa e EUA perderam o dinamismo.
A rolagem dos bônus brasileiros deixou de ser integral, um efeito ainda suave de turbulências que podem ser muito mais destrutivas. As exportações ainda não sentiram o baque, mas isso será apenas uma questão de tempo. A redução do superávit comercial é inevitável, embora não necessariamente drástica.
FONTE: Valor Econômico