Se a CPMF voltar...

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Tributar a movimentação de recursos é desestimular a atividade econômica e incentivar a informalidade

Tributar a movimentação de recursos é desestimular a atividade econômica e incentivar a informalidade

UMA VEZ consumada, nas urnas, a aprovação dos planos de governo meticulosamente desenhados nos birôs publicitários, chegou a hora de tratar dos planos reais.

Não há mudança que não incomode ninguém, e o debate sobre a volta da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, também conhecida como tributo do cheque) é daqueles que incomodam muita gente.

Deixando as questões políticas e a injustiça tributária para outros colunistas, vamos ao que interessa para o nosso bolso.

Para o governo que arrecada, a contribuição não passa de mais um remendo tributário para cobrir a tradicional ineficiência da gestão pública. Seja para uso na saúde ou para qualquer outro fim, um Orçamento trilionário como o do inchado Estado brasileiro certamente oferece inúmeras oportunidades de aperfeiçoamento para fazer sobrar várias dezenas de bilhões de reais para a saúde e outras prioridades, desde que essas prioridades sejam mais prioritárias que a vida palaciana e a ostentação de poder.

Ainda não é o caso, e não o será tão cedo, pois há 500 anos referendamos um inexplicável excesso de poder conferido às figuras públicas.
Para a população que paga, é inegável que a contribuição se presta também à diminuição das desigualdades -afinal, paga mais quem tem mais dinheiro e o movimenta mais.

Por outro lado, a tributação da simples movimentação de recursos é um desestímulo à atividade econômica e um incentivo à informalidade. Afinal, quem deseja pôr seus recursos na segurança da conta-corrente se o simples ato de depositar e sacar já nos custa?

O cheque, que vinha caindo em desuso, deve ganhar importância diante da necessidade de evitar a movimentação em conta-corrente.
Se você é comerciante ou profissional liberal, que recebe seus ganhos aos poucos e em espécie, prepare-se para voltar a usar o cofre de casa e para andar com mais dinheiro e cheques predatados na carteira.

O mercado de segurança privada é um dos que têm a ganhar com isso. Outra opção é assumir o custo da tributação extra e repassá-lo aos clientes -de qualquer forma, a volta da contribuição deve pesar no bolso de alguém.

Do ponto de vista da estratégia financeira pessoal, velhos hábitos devem voltar a ser resgatados. Entre eles, o cuidado de cadastrar os mesmos titulares entre contas que envolvem transferências frequentes e a atenção à escolha da conta correta no momento de transferir recursos com o objetivo de investir.
Se transferir da conta investimento de um banco para a conta-corrente de outro e depois solicitar uma aplicação, pagará a contribuição duas vezes.

Voltaremos a adotar o hábito da titularidade conjunta entre casais, por mais que haja motivos para cada um ter sua conta -que sejam contas diferentes, mas de mesma titularidade, para evitar custos desnecessários nas eventuais transferências.

Teremos de ser mais cautelosos e menos precisos no controle do orçamento. Afinal, um saldo de R$ 100 na conta não nos permitirá emitir um cheque de R$ 100.

Uma sugestão interessante para estimar o gasto mensal com a CPMF no orçamento é incluir em sua planilha eletrônica o cálculo automático da alíquota sobre seus gastos médios mensais. Para as famílias de maior renda, ignorar esse efeito é receita certa para deixar a conta descoberta.

Frustrante para quem paga, justa para quem ganha pouco, para o bem ou para o mal, há fortes indícios de que teremos mais esse castigo em nosso pelourinho tributário. Por outro lado, o argumento para a volta do tributo é o de que sua arrecadação estará carimbada para garantir a melhoria da saúde pública. Pagando ou não a contribuição, se ela voltar, teremos mais uma lição de casa a fazer como cidadãos: cobrar, vigiar e fiscalizar o bom uso de seus recursos na melhoria e na expansão dos cuidados médicos da população.

 

(Gustavo Cerbasi)

FONTE: Folha de São Paulo

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