Presença estatal na atividade econômica deve se guiar por critérios como escassez de capitais, interesse social e estímulo ao desenvolvimento
Presença estatal na atividade econômica deve se guiar por critérios como escassez de capitais, interesse social e estímulo ao desenvolvimento
A demagogia e o oportunismo do que passou por debate das privatizações na campanha eleitoral não deixará boa recordação sobre a integridade intelectual das lideranças políticas nem tampouco sobreviverá ao fechamento das urnas. Nos termos em que foi travada, melhor que tal discussão morra como viveu, no desprezo do cidadão interessado no aperfeiçoamento da economia e do Estado.
O assunto, porém, deveria ser de vivo interesse. Não se trata de debater a reversão das privatizações de empresas de aço, mineração ou telefonia, por exemplo, propósito aliás inexistente tanto no ideário como nas práticas de governo dos postulantes à Presidência. Mais importante, o teste da realidade encarregou-se de relegar ao esquecimento tanto a inépcia do Estado na produção de pelotas de ferro e celulares como qualquer sugestão prática de que estatais devam voltar a fazê-lo.
Apesar da deficiência e custo de alguns serviços, de contratos generosos com o setor privado e da péssima regulação, sobram telefones. A exportação de minério de ferro é um esteio da economia. O serviço portuário mais eficaz está em terminais privados. Quase todas as estradas de boa qualidade são do Estado de São Paulo, concedidas à iniciativa privada.
O teste da realidade, porém, não implica defesa incondicional da superioridade da empresa privada. As crises financeiras e gerenciais dos últimos 20 anos ilustraram limitações da racionalidade e da eficiência alocativa do empresário. A questão central é discernir, em cada caso, o ente mais capaz de inventar novos setores ou de empregar recursos escassos no aumento da produção.
Limitações burocráticas, intromissão política, falta de agilidade gerencial e de atualização tecnológica e, decisivo, escassez de recursos desqualificam a atuação do Estado na atividade produtiva mais convencional ou que não é destinada a provisão de serviços públicos de uso comum. Deve ser levada em conta também a escassez de recursos democráticos de controle: quanto maior o governo, menos a sociedade é capaz de controlar desvios e de exigir prestações de contas.
A prioridade na privatização deve ser dada a negócios para os quais o Estado não tem recursos, financeiros ou gerenciais. É evidente que o Estado é incapaz de prover serviços aeroportuários, estradas e portos.
Mas a experiência brasileira indica que um dia o Estado inaugurou o investimento em aço ou petróleo, empreendimentos aos quais a empresa privada não se dedicou, por desamor ao risco ou falta de capitais.
O "aço e petróleo" deste início de século é a pesquisa científica aplicada. Mas esta também não é uma prioridade do Estado, que nos anos Lula passou a investir onde não deve. Há novas e indevidas estatizações. Com presença marginal em setores de ponta, o governo investe em negócios desprezados pela iniciativa privada, por não serem rentáveis, e de escasso interesse público. Um exemplo é o trem-bala, que vai drenar dinheiro para um projeto que se sustenta apenas por meio de subsídios bilionários.
O teste da realidade, a escassez de recursos financeiros e gerenciais, indica que o Estado deve se retirar para nichos em que o risco e a carência de capitais subtraem da economia atividades importantes -como o caso da pesquisa ou de certas áreas de ponta da indústria. Devem ser poucos, para permitir controle, e propiciar retornos sociais evidentes para a sociedade e o processo de desenvolvimento.
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FONTE: Folha de São Paulo