Tecnologia - A imaculada concepção digital

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A REDE não é orgânica, mas se comporta como tal. Nem mesmo as máquinas são orgânicas, por mais que não falte quem as divida em gerações ou lhes atribua memórias. O cérebro eletrônico, que nunca foi um cérebro, à medida que transcende o eletrônico e invade o cotidiano, se comporta cada vez mais como se fosse gente.

A REDE não é orgânica, mas se comporta como tal. Nem mesmo as máquinas são orgânicas, por mais que não falte quem as divida em gerações ou lhes atribua memórias. O cérebro eletrônico, que nunca foi um cérebro, à medida que transcende o eletrônico e invade o cotidiano, se comporta cada vez mais como se fosse gente.

O antropomorfismo é uma atitude natural. O bicho social detesta ficar sozinho e tem uma mania curiosa de se comunicar com o que estiver à mão. Há quem fale com o carro para que a gasolina não acabe, praticamente todo mundo xinga o pé da mesa em que deu uma topada e são raros os que nunca descontaram no mouse ou no monitor quando a CPU trava. Ou maltrataram o telefone quando a rede é a culpada.

À medida que os aparelhos se tornam mais espertos, amigáveis e sensíveis ao ambiente, é natural que seus fabricantes explorem a carência de seus usuários para criar produtos e serviços cada vez mais "fofinhos". Mesmo sendo incompletos, dependentes, instáveis e demandarem muita atenção enquanto fazem bobagens diversas, são tão bonitinhos que fica difícil resistir a eles.

Em um ambiente sobrecarregado de mercadorias e escolhas, novos lançamentos acabam sendo tão "humanizados" que chegam a parecer gestações: começam com planejamentos e análises do mercado, em que resistências são vencidas enquanto se decide a futura profissão do pimpolho. Logo depois vem a fase criativa, superestimada, intensa, divertida e... breve. Finalmente, a concepção.

Até recentemente, a criação de muitos produtos era -como dizer?- bastante "masculina", mais preocupada com o momento da criação do que com a responsabilidade de lançá-la no mundo. À medida que os telefones, carros e computadores passaram a se comportar como gente, essa perspectiva precisou mudar.

Sem que percebêssemos, nos tornamos babás de ciberbebês, responsáveis pela sua nutrição, educação, personalidade, integração e atribuições de responsabilidade, até que atinjam uma eventual maturidade. O esforço e a dedicação empenhados (alguém pensou em amor?) são tantos que não causa espanto o fato de muita gente resistir à ideia de substituí-los quando chega, finalmente, a hora. Alguns por preguiça, outros por considerarem seus riscos, lascados e amassados, sinais de experiência.

(Luli Radfahrer)

FONTE: Folha de São Paulo

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