Notícias de Brasília - Não é sujeira. É democracia

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A chuva veio antes e lavou a cidade para que no domingo ela fosse às urnas sem o ar denso e pesado que maltratou o brasiliense na estiagem de quase quatro meses.

A chuva veio antes e lavou a cidade para que no domingo ela fosse às urnas sem o ar denso e pesado que maltratou o brasiliense na estiagem de quase quatro meses. Quando o domingo amanheceu, Brasília estava revestida por uma camada de democracia que parecia, num primeiro momento, sujeira, mas olhando com mais cuidado via-se que eram os vestígios da democracia. Ela dá trabalho, exige paciência e tolerância. A sujeira se limpa depois e essa é uma faxina fácil diante de muitas outras, muito mais necessárias.

Se foi mais sujo, também foi menos alegre o exercício da democracia na capital do país. A militância, desta vez, parecia envergonhada. Cadê as bandeiras azuis, vermelhas, verdes, amarelas? Cadê o arco-íris da disputa que já esquentou as veias dos brasilienses de todas as cidades, do Plano Piloto a Planaltina, de São Sebastião a Brazlândia, do Paranoá a Santa Maria nas últimas eleições? Já foi mais corpo a corpo o embate democrático na cidade construída pela força bruta dos homens.

A cidade mais desigual do país ofereceu rapidez e conforto ao eleitor do Plano Piloto, mas deixou o eleitor do Itapoã e de Ceilândia, por exemplo, esperando quase três horas para teclar os números de sua livre escolha. Desorganização nas zonas eleitorais, negligência no transporte público. Os pontos de ônibus de Ceilândia, Samambaia e Riacho Fundo estavam lotados por volta das 9h. Viam-se poucos transportes coletivos rangendo seus ossos de metal nas vias largas de Brasília.

Quem se movimenta em cadeiras de rodas teve dificuldade ainda maior para chegar à urna. A cidade moderna, patrimônio da humanidade, exemplo de qualidade de vida, ainda não respeita a população que precisa de caminhos especiais para ir e vir. Quanto mais pobre a cidade, mais difícil o acesso.

Símbolo da teimosia e da pobreza, a Vila Estrutural estava especialmente movimentada. Os moradores da ex-invasão resolveram aproveitar o domingo democrático do lado de fora dos barracos. Mas não somente deles. A ex-invasão está se transformando num reduto de casas de dois pavimentos, a maioria ainda sem reboco. As ruas continuam estreitas, esburacadas e enlameadas, mas ontem estavam agitadas como não se viu nem na Copa do Mundo. A Estrutural parece gostar mais de política que de futebol. Desde que nasceu. 

No Itapoã, cidade onde o horizonte é geométrico por conta da imensidão de casinhas se estendendo no altiplano, crianças brincavam nas filas e nas seções de votação. Para elas, santinhos não eram sujeira, eram figurinhas coloridas distribuídas num domingo diferente dos outros. Com sorte, elas vão aprender que o voto é coisa séria e que aquela fila cansativa e desorganizada leva ao futuro. E que democracia se aprende em lições contínuas e ininterruptas.

Na cidade que nasceu da insistência dos candangos que construíram a barragem, Vila Paranoá, também houve espera e desordem. A família de Mauro Sérgio Lucas de Oliveira vestiu-se de festa para exercitar o direito democrático e depois aproveitar o domingo, mas não foi fácil. Keila Cristina conseguiu votar, mas o marido não, porque seu nome não constava da lista de votantes. Atordoados, eles resolveram esperar por uma solução improvável. “Não entendo”, dizia Mauro.

A cidade onde tudo começou, Núcleo Bandeirante, também estava coberta de papel — confetes democráticos de uma eleição um tanto morna, outro tanto descrente e desiludida. Fora os panfletos esparramados pelo chão e a movimentação próxima às zonas eleitorais, a Cidade Livre obedecia à sua rotina pacata, tal qual um bairro antigo de uma velha capital moderna. Na vizinha Candangolândia, a democracia também se estendia, múltipla e multicolorida, pelo chão. Mas o domingo continuava o mesmo — dia de descanso, de feira, de lavar o carro, de fazer o almoço, de conversar fiado.

O que incomodou os eleitores, as filipetas inquietas, foi — afinal — a única evidente demonstração de disputa política na capital do país. Depois de tantas decepções, de escândalos sucessivos, de demoras e incertezas, de golpes inesperados, Brasília não parecia lá muito esperançosa com o 3 de outubro. Os velhos militantes vermelhos e azuis perderam a cor. Os carros se transformaram em outdoors de candidatos ao Legislativo. Poucos se dispuseram a empunhar a bandeira dos postulantes ao Executivo.

Depois de tudo o que aconteceu, Brasília mudou. Restou a sujeira no chão, a única lembrança do que um dia foi uma vibrante, colorida e não poucas vezes beligerante disputa.

Novas chuvas virão e haverá sempre uma gota de esperança para o eleitor lavar a alma.

O NÚMERO
1.550.765
Pessoas compareceram ontem às seções do DF para votar. A capital possui 1,83 milhão de eleitores cadastrados


FONTE: Correio Brasiliense / Conceição Freitas

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