A nova arca de Noé

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Com a ajuda de diversas instituições, Embrapa armazena o código genético e exemplares de animais, plantas e micro-organismos encontrados no Brasil. Objetivo é preservar informações sobre a biodiveridade do país e garantir o futuro das pesquisas

Conta a Bíblia que, para salvar todas as espécies animais do dilúvio universal, Noé colocou exemplares de cada uma delas em uma imensa arca. Preservou assim a natureza, garantindo a continuidade da diversidade animal na Terra. Em pleno século 21, cientistas brasileiros agem como Noés contemporâneos, armazenando informações sobre plantas, animais e micro-organismos em uma modernas arcas, denominadas bancos genéticos. Neles, o Brasil guarda informações preciosas que podem garantir o desenvolvimento de pesquisas em prol da sustentabilidade da agricultura.

Tudo ocorre por meio da Plataforma Nacional de Recursos Genéticos, projeto desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) com o auxílio de diversas instituições nacionais, como universidades e centros de pesquisa. Dividido em três redes — animal, vegetal e microbiana — o projeto mantém animais vivos em criadouros, coleta o material genético de diversas espécies, guarda milhares de sementes congeladas e tem bancos até para bactérias e vírus. “A ideia é conservar a diversidade genética e garantir uma alimentação farta e saudável para as futuras gerações”, explica Arthur Mariante, gestor da Plataforma Nacional e da Rede Animal.

Conservar as espécies não é um trabalho simples. Demanda muitas pesquisas e envolve trabalhos como a coleta, a caracterização genética e molecular, além de metodologias de conservação. “Precisamos conhecer a fundo a biodiversidade brasileira e utilizar esse conhecimento para a geração de tecnologias, produtos e serviços para toda a sociedade”, conceitua Mariante. Muitas vezes, os cientistas se deparam com pouquíssimos exemplares de algumas espécies, praticamente extintas no país. “Essas espécies estão desaparecendo e muitas vezes nem chegamos a conhecê-las”, afirma o especialista.

Um dos principais trabalhos da Rede Animal é evitar a extinção de algumas raças de animais, o que significaria a perda irreparável de material genético. Como muitas espécies existentes no Brasil vieram de outros países, passaram por modificações necessárias à sua adaptação, transformando-se em exemplares únicos. “Não podemos perder esses genes adaptados. É preciso que tenhamos esse material”, enfatiza o gestor.

Um exemplo de sucesso da rede foi a preservação do cavalo pantaneiro, chamado assim por ser muito utilizado na região do Pantanal. Segundo Mariante, a espécie estava ameaçada de extinção, e, após um trabalho feito com os criadores, ela passou a ser valorizada e teve o rebanho aumentado. “Esse cavalo desenvolveu um casco mais robusto, por ficar a maior parte do tempo com as patas dentro da água, além de ser tolerante à anemia infecciosa equina. É um tesouro”, diz o gestor.

Sementes
Para garantir que o Brasil continue um dos líderes mundiais na produção de alimentos, os pesquisadores investem pesado na preservação de sementes. Cerca de 70% da plataforma é constituída pela Rede Vegetal, responsável pela preservação de cereais, legumes, condimentos, e plantas frutíferas, oleaginosas, ornamentais, medicinais e industriais (caso da cana-de-açúcar e da seringueira). O maior objetivo dessa rede é aumentar o número de espécies nas coleções de plantas, principalmente as que fazem parte da base alimentar e da agricultura. “Se não conservarmos, morreremos de fome. Com a rede, se houver uma catástrofe e as espécies forem extintas, vamos tirar de onde está conservado”, afirma Clara Oliveira Goedert, vice-líder da Rede Vegetal.

Para isso, os pesquisadores conservam em câmaras frias o germoplasma (conjunto de características genéticas) das espécies, que podem durar mais de 100 anos. “Esse material é o que transmite a hereditariedade de cada planta”, explica Goedert. As espécies vegetais também podem ser preservadas em embriões, mas eles duram menos tempo. “Essas reservas também são utilizadas para programas de melhoramento genético e para os agricultores”, acrescenta a pesquisadora. “O Brasil é um país promissor na produção de alimentos. Por isso, precisamos ter as nossas reservas, principalmente diante das mudanças climáticas”, completa. Segundo o relatório da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), o Brasil tem a sexta maior coleção de sementes do mundo, com 110 mil variedades armazenadas.

Os atuais Noés também abriram os olhos para a importância de seres microscópicos como bactérias, vírus, fungos e parasitas. Essas coleções — guardadas em câmaras frias, a -80ºC, e em botijões de nitrogênio líquido, a -196ºC — são muito úteis em pesquisas que desenvolvem agentes de controle biológico de insetos e pragas agrícolas. “São de suma importância na produção de alimentos”, afirma Myrian Tigano, líder da Rede Microbiana.

Hoje, o projeto conta com 20 coleções que reúnem mais de 2.300 estirpes nativas de mirco-organismos, todas coletadas em solo brasileiro. Algumas dessas estirpes ajudam na produção de inseticidas biológicos que podem ser usados no controle dos mosquitos transmissores da malária e da dengue e de lagartas que atacam plantações. “Isso ilustra a importância da conservação desses seres em prol de uma agricultura mais saudável, tanto para o consumidor quanto para o produtor”, salienta a pesquisadora.

FONTE: Correio Brasiliense/ Silvia Pacheco/ Clara Oliveira Goedert, vice-líder da Rede Vegetal

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