Os programas eleitorais brasileiros constituem um dos mais grotescos espetáculos em exibição no planeta. Seu conteúdo inclui variada coleção de platitudes, demagogia barata, sandices, dramalhões e ópera-bufa. Só raramente há menção a valores ou a políticas públicas.
Os programas eleitorais brasileiros constituem um dos mais grotescos espetáculos em exibição no planeta. Seu conteúdo inclui variada coleção de platitudes, demagogia barata, sandices, dramalhões e ópera-bufa. Só raramente há menção a valores ou a políticas públicas.
Os candidatos se converteram em meras peças de marketing. Ninguém diz: “Tal candidato apresentou uma plataforma consistente”. Diz somente: “Fulano se saiu bem”, como se fosse um quadro de calouros em um programa de domingo à tarde.
O que está havendo com nossa jovem democracia? Essa pergunta não tem resposta simples. Há evidências em abundância de que estamos vivendo contínuo processo de degradação política inscrito em um sistema eleitoral marcado por excentricidades e contradições.
A qualidade moral e política dos parlamentares cai, eleição após eleição, de uma forma avassaladora.Qualquer leigo que examinar a composição do Congresso Nacional da década de sessenta ou setenta, para não ir muito longe, e compará-la com a atual, poderá ter a impressão de que são dois países diferentes e que nos tornamos cada vez mais medíocres.
O foro privilegiado e o festival de emendas parlamentares representam atrativos para os querem fazer uso do mandato para se proteger da Justiça ou fazer fortuna. Uma reforma política começa por aí. Temos, todavia, algum estadista que se disponha a alterar essa realidade, abdicando do conforto da manipulação política no Congresso Nacional?
A República é laica. Como entender que postulantes a mandato popular se apresentem como bispo, padre ou pastor? O parlamento é território da política, não das corporações. Como admitir que candidatos se rotulem como professor, doutor e outros qualificativos que denotam sua profissão? O exercício do mandato deve minimamente observar o decoro. Como homologar candidaturas de pessoas que se valem de apelidos pejorativos ou que servem como instrumento para depreciar a representação popular?Os votos, tempos atrás, no bode Cheiroso, em Pernambuco, ou no rinoceronte Cacareco, em São Paulo, foram formas de expressar a apatia dos eleitores, sem repercussões reais na composição das casas legislativas. Candidatos devem se apresentar com nomes que constem de seus respectivos registros civis.
A miríade de partidos políticos dificulta enormemente a compreensão dos eleitores e torna extremamente difícil a construção de maiorias parlamentares. Não seria o caso de instituir a cláusula de barreira, com supressão do registro de partidos que não lograssem representação mínima?
Entende a jurisprudência que o mandato é dos partidos— o que parece razoável. Nesse contexto, em nome de que lógica se pode justificar a formação de coligações em eleições proporcionais? Afinal, qual seria o partido nessa coligação a que se vincularia o mandato?
O julgamento da contas eleitorais se faz antes da diplomação,com trânsito em julgado. Esse regramento pretende fundamentar-se na necessidade de conferir segurança jurídica ao mandato. É, contudo, impossível proceder-se ao julgamento dessas contas no período, pouco superior a um mês, compreendido entre as datas das eleições e da diplomação. Por que não permitir que, a qualquer tempo, o Ministério Público ou partido político possam oferecer denúncia sobre irregularidade nas contas e, desse modo,caso a Justiça julgue procedente, seja cassado o mandato do eleito?
A cassação de mandatos é fonte de uma curiosa bizarrice. Cassado o eleito, assume o segundo mais votado, em virtude da anulação dos votos conferido àquele que foi cassado. Ora, o povo não elegeu o segundo mais votado; ao contrário, preteriu-o. Por que, então, fraudar a vontade popular? Havendo a cassação, deveria convocar-se nova eleição.
Já se sabe que os programas eleitorais gratuitos são uma lástima. Não se pode, entretanto, dispensar a exposição dos candidatos pelos meios de comunicação. Não seria mais razoável reservar parte desses programas para entrevistas e debates, em que os candidatos obrigatoriamente se sujeitariam a questionamentos de jornalistas, sem as custosas produções? O contraditório certamente elucida mais que as maquiagens e as fugas aos debates, orientadas por marqueteiros.
O repertório de bizarrices é inesgotável. Entenda-se este artigo como um mero exercício utópico de um cético cada vez mais cético.
(Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal)
FONTE: Correio Braziliense