Ex-funcionários do Banco do Brasil que aderiram ao Programa de Desligamento Voluntário (PDV), em 1995, afirmam que o arrependimento e a amargura tomou conta da maioria dos "pedevistas". Eles dizem que teria havido pressão para concordarem com o plano e reclamam da falta de apoio financeiro e orientação técnica do banco para tocarem seus negócios próprios.
Ex-funcionários do Banco do Brasil que aderiram ao Programa de Desligamento Voluntário (PDV), em 1995, afirmam que o arrependimento e a amargura tomou conta da maioria dos “pedevistas”. Eles dizem que teria havido pressão para concordarem com o plano e reclamam da falta de apoio financeiro e orientação técnica do banco para tocarem seus negócios próprios. “Era um desligamento voluntário onde já tinha uma lista de voluntários, os elegíveis”, afirma Geovan Guedes, 55 anos. Ele trocou 20 anos de casa pela aventura do PDV. Perdeu o emprego, o dinheiro, a mulher, e hoje vive só com os filhos. “O cara sem dinheiro não vale nada”, diz, amargurado.
João José Lopes, 55 anos, também reclama da pressão: “Lançaram o plano e começaram as pressões psicológicas violentas. Quem tinha de 15 a 25 anos de casa era forçado a aderir. Era vai ou vai. Não havia opção”. Ele tinha 18 nos de casa. Recebeu cerca de R$ 80 mil, o equivalente a R$ 275 mil hoje. Montou uma casa de material de construção em Águas Lindas e foi procurar financiamento no Banco do Brasil para comprar um imóvel, materiais e ter capital de giro. “Viraram as costas, dei com os burros n’água. Procurei bancos privados, mas eles exigiam dois anos de experiência no mercado. Comecei baixando os preços, depois pedi dinheiro a agiotas. Em cinco anos, quebrei”, relata Lopes.
Ele conta como toca a vida hoje: “Je vis de bec (Eu vivo de bico, numa tradução do francês ao pé da letra). Vendo seguros, faço eventos, projetos para empresas”. Renda mensal? Cerca de R$ 1 mil. Muito pouco para quem ganhava R$ 6 mil em 1995 — cerca de R$ 20 mil hoje. Mas a mulher, Beatriz, e a filha, Rejane, ajudam com uma microempresa de festas de aniversário. Conseguem mais R$ 1 mil de renda. “Nesse ponto, sou abençoado. Tenho a família que me apoia”, conforma-se o ex-bancário. Rejane, 28 anos, com uma filha de 10 anos, teve que abandonar as faculdades de nutrição e turismo. Não havia dinheiro nem para o ônibus.
Perda dupla
Para Guedes, a demissão voluntária veio junto com o divórcio. Dos R$ 80 mil que recebeu, R$ 25 mil pagaram dívidas e empréstimos com o banco. O restante ele dividiu com a exmulher. Mas não soube aplicar o seu dinheiro. “Na verdade, não apliquei em nada. Eu fiquei olhando, tentando ver alguma coisa. O banco não deu o suporte que prometeu. Com o tempo, esse dinheiro foi deteriorando e acabou”, conta o exservidor. Hoje, fatura cerca de R$ 1 mil por mês com a venda de seguro. Os seus três filhos também tiveram dificuldades para estudar. A filha Daniele, 24 anos, estuda veterinária com uma bolsa integral do Prouni. O filho Renato, 23 anos, é formado em aviação civil.
Lopes guarda uma placa do BB que colocava sobre a sua mesa de “gerente” e uma cartilha distribuída aos funcionários do banco em julho de 1995. A cartilha
avisava: “O banco estimula determinados segmentos de funcionários a se apresentar para desligamento em troca de um pacote de incentivos”. Mais adiante, dizia: “Desligar funcionários não faz parte da tradição do banco e por isso pode causar perplexidade. O banco está mudando, está se colocando cada vez mais como ‘banco de mercado’”. A cartilha dizia que “aceitar o desligamento pode viabilizar a realização de um sonho”. Lopes e Guedes estão deixando escapar mais um sonho: vão perder a casa própria que compraram com empréstimo da Previ, as duas no Guará II. Sem dinheiro, deixaram de pagar as prestações.
Em outro capítulo, a cartilha oferecia o serviço de apoio aos desligados e avisava que todos deveriam administrar suas emoções, muitas delas contraditórias, como tristeza, revolta, felicidade, confusão, temor, ansiedade alívio. Hoje, restaram a tristeza, a revolta, o temor e ansiedade. Os ex-funcionários teriam acesso a vídeos de treinamento, seminários, palestras, material de pesquisa e receberiam informações sobre o mercado de trabalho. “Em resumo, os centros ajudarão a chegar ao ‘ponto ótimo’ para reiniciar sua vida”. Parte deles atingiu o ponto péssimo. Segundo afirma Lopes, muitos pedevistas adquiriram doenças mentais, se entregaram à bebida, alguns viraram moradores de rua. “Já temos contabilizados 28 suicídios”, afirma.
Sem pressão
A assessoria de imprensa do Banco do Brasil afirma que não houve pressão para que servidores aderissem ao Programa de Desligamento Voluntário (PDV). “Não houve desrespeito aos funcionários. Eles aderiram espontaneamente. Se um funcionário se sentiu pressionado, tinha o direito de reclamar à Justiça. Se sentiu assim, deveria recorrer ao fórum adequado. Não vamos entrar no mérito se algum gerente extrapolou”, afirmou o assessor de imprensa Carlos Alberto Carvalho.
Ele afirma que o PDV surgiu num momento em que o sistema bancário estava em crise, com os bancos se readequando, cortando despesas, reduzindo quadros. “Havia uma cultura histórica de uma estabilidade branca. Mas, de direito, ela não existia. Jamais se imaginava, naquela época, umplano de incentivo de demissões. Foi a primeira vez em 187 anos de existência do banco. A estabilidade branca foi rompida em 1995. É traumático? É. Aquilo mexeu muito com os funcionários. Mas aquele corte era imprescindível para o banco ter eficiência. Havia uma realidade econômica que justificava a redução de quadros. É da economia de mercado”, comentou Carvalho.
O assessor acrescentou que o banco ofereceu treinamento para ex-funcionários em diversos locais, para que se adaptassem aos novos empreendimentos. Esses serviços teriam sido oferecidos aos 13 mil servidores que aderiram ao PDV em 1995.