Agora, que deu tudo errado, parece que ninguém foi (e continua sendo, ainda que disfarçadamente) neoliberal. Como parece que ninguém votou no Jânio, ninguém esteve a favor da ditadura, ninguém votou no Collor, menos ainda no FHC.
Agora, que deu tudo errado, parece que ninguém foi (e continua sendo, ainda que disfarçadamente) neoliberal. Como parece que ninguém votou no Jânio, ninguém esteve a favor da ditadura, ninguém votou no Collor, menos ainda no FHC. Todos condenamos o reino do mercado, todos queremos cada vez mais intervenções do Estado, todos repudiamos a especulação e os bancos gananciosos, nos parecem absurdos os astronômicos salários dos executivos, queremos taxas de juros mais baixas, etc., etc. De qualquer maneira, melhor assim, mesmo se ninguém diga que errou, imperceptivelmente mudam as opiniões, para ver se, assobiando, passa despercebida sua transição. Mas está claro que muito dessa atitude é de conveniência: primeiro, conveniência, porque precisam do Estado, não podem nesta hora voltar ao lema de que “o problema é o Estado”, quando se pede soluções ao Estado. Em segundo, porque convém fingir que não se pensava o contrário do que se diz agora, que não se propagou todo o tempo o valor dos mecanismos de mercado que agora aparecem como os vilões da crise. Dizer que quanto mais se desregulamente, quanto menos imposto, quantos menos Estado, mais desenvolvimento econômico. Deu no que deu.
Agora, parece que todos os gatos são pardos: todos demandam maior presença do Estado, regulamentação do mercado, controle dos créditos, aumento do déficit público. Porém, grande parte desses esforços tem caráter de SOS, de resgate de uma política de livre comércio em crise, para voltar a recompor as condições de funcionamento do mercado como alocador privilegiado dos recursos na economia. Com a crise atual do neoliberalismo, originada e situada no centro mesmo do sistema capitalista, estende-se a crise de hegemonia no mundo contemporâneo, em que o velho modelo está esgotado, mas luta para sobreviver, enquanto um modelo alternativo surge no horizonte, ainda com grandes dificuldades para se afirmar.
O neoliberalismo é a realização máxima do capitalismo, porque ele estende no limite máximo a mercantilização do mundo, a ideia de que tudo tem preço, tudo se vende, tudo se compra. O antineoliberalismo, ao contrário, trata de desmercantilizar as relações econômicas, sociais e culturais, transferindo da esfera do mercado para a esfera pública, a esfera dos direitos, temas essenciais como a
educação, a saúde, a habitação, a cultura, a água, a terra, entre outros. O antineoliberalismo quebra a hegemonia do capital financeiro, típica da fase atual do capitalismo, apoiando o setor produtivo. Quebra o papel dos agronegócios de exportação, em favor da economia familiar e da segurança alimentar. Fortalece o mercado interno de consumo de massas, em detrimento dos modelos centrados na exportação. Privilegia a garantia do emprego formal, como obrigatória contrapartida de qualquer apoio estatal a empresas privadas.
O antineoliberalismo se empenha fortemente na integração regional contra o livre-comércio, avança na construção de uma moeda única regional, de um Banco Central regional e de políticas econômicas convergentes. Em suma, o antineoliberalismo é a democratização econômica, social e cultural, centra suas políticas em critérios sociais, em função dos quais articula as políticas econômicas correspondentes, quebrando o eixo da estabilidade monetária — típica do neoliberalismo. Portanto, o antineoliberalismo se choca com a independência — legal ou de fato — dos bancos centrais, expressão da hegemonia do capital financeiro na estrutura estatal. Essa a grande luta do nosso tempo — neoliberalismo
contra antineoliberalismo, economias de mercado contra afirmação de direitos, ditadura da economia ou privilegio do social.